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Proc. Nº 101/96 em relacao a Jurisdição voluntária (Proc. nº 101/96) [1999] MZTS 3 (23 September 1999)

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Proc. nº 101/96

Jurisdição voluntária

Alimentos

Alteração

Sumário:


  1. A jurisdição de menores reveste as características de jurisdição voluntária, na qual o tribunal não se acha circunscrito à prova apresentada pelas partes em litígio (artº 1409, nº 2 C.P.Civil)


  1. É sempre possível ocorrer a alteração da pensão de alimentos, desde que se verifiquem circunstâncias que justificam a alteração, conforme regras estabelecidas no artº 99 nº 1, do EAJM, aplicável subsidiariamente



Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal Supremo:


A, maior, doméstica, veio junto da 2ª Secção do Tribunal de Menores da Cidade de Maputo requerer a alteração da pensão de alimentos fixada nos autos de regulação do exercício do poder paternal nºs 189/92, que se mostra apenso nos presentes autos, tendo por base os fundamentos descritos no requerimento inicial de fls. 2.


Dando-se cumprimento ao preceituado por lei, o requerido progenitor veio reagir ao pedido formulado por intermédio do documento de fls. 6.


Relativamente à reacção apresentada pelo requerido, importa referir que, atento o disposto pelo nº 3 do artigo 99º do E.A.J.M., aquele tinha cinco dias para alegar o que tivesse por conveniente, prazo esse que terminava no dia 20.06.94 (uma 2ª feira). Ora, como se pode verificar documento de fls. 6, as alegações foram apresentadas no dia seguinte ao termo do prazo, pelo que só deveriam ter sido aceites, desde que o requerido tivesse cumprido com preceituado pelo nº5 do artigo 145º do C.P. Civil, o que, no caso, não aconteceu. Daí que nenhuma relevância e eficácia jurídica possa ser atribuída as mencionadas alegações.


Realizado inquérito social, apuraram-se os elementos constantes do relatório de fls. 11, embora respeitantes apenas à requerente pelas razões apontadas no aludido relatório.


Efectuada a conferência com os progenitores, não se logrou obter qualquer acordo, sendo, por isso, ambos notificados naquele mesmo acto para produzirem alegações, apresentarem rol de testemunhas e requerer o que tivessem por conveniente.


Ambos os progenitores vieram alegar. Acontece, porém, que as alegações produzidas pela requerente foram apresentadas fora do prazo que terminara em 17.10.94 (uma 5ª feira) – vide documento de fls. 29, motivo pelo qual nenhum efeito lhe devesse ser atribuído, designadamente, no respeitante ao rol de testemunhas apresentado.


Efectuado novo inquérito social, com vista a apurar a situação económica do requerido, obteve-se os elementos constantes do relatório de fls. 31.


Procedeu-se depois a julgamentos, no qual se recolheu o depoimento da testemunha B, na forma descrita na acta de fls. 40.


No prosseguimento da lide, no seu visto o Digno Curador de Menores emitiu parecer favorável ao pedido de alteração da pensão de alimentos formulado pela requerente.


Seguidamente foi proferida sentença, na qual depois de se julgar procedente e provada a acção, se decidiu alterar o valor da pensão de alimentos devida aos menores para seiscentos mil meticais, fixando-se o imposto de justiça em trezentos mil meticais a pagar pela requerente e requerido, na proporção de 1/3 e 2/3, respectivamente.


É da decisão assim proferida que interpôs tempestivamente recurso a requerente e o requerido, mostrando-se cumprido o demais de lei, para que o mesmo pudesse ter prosseguimento.


Nas suas alegações de recurso, a apelante vem, em resumo, dizer que:


  • o pedido de alteração do valor da pensão de alimentos, antes fixado em cento e cinquenta meticais, teve por base o facto do referenciado montante se mostrar exíguo para ocorrer ao sustento, agasalho e educação dos seus três filhos menores;

  • não concordar com o valor fixado na sentença de primeira instância, por o apelado ser um comerciante com posses, que possui dois estabelecimentos comerciais e vive de forma desafogada;

  • sendo nesta base que solicitou que fosse fixado a pensão alimentar em dois milhões e quinhentos mil meticais.


Conclui, assim, por considerar ser de alterar o valor da pensão de alimentos fixados pelo tribunal a quo.


Nas suas contra-alegações, o apelado, em síntese, vem dizer que:


  • no caso dos menores em questão, a respectiva pensão de alimentos já foi actualizada por três vezes;

  • na fixação de alimentos há que atender não só as necessidades de quem os deve receber, mas também as possibilidades de quem os deve prestar;

  • o apelado, como comerciante, está sujeito as oscilações da conjuntura económica, sendo baixas as receitas;

  • por outro lado, o apelado tem encargos decorrentes de uma nova família, que constituiu entretanto;

  • nesta base, continua a considerar que apenas pode contribuir com duzentos e cinquenta mil meticais, a título de pensão alimentar a favor dos menores.


Considera, como tal não dever proceder o recurso interposto pela apelante.


No seu visto o Digno Representante do Ministério Público junto desta instância referiu não haver nos autos prova documental comprovativa da situação económica-financeira do apelado e a apelante não ter feito prova das disponibilidades económicas daquele.


Por se estar no domínio da jurisdição voluntária em que, de acordo com o preceituado pelo artigo 1409º, nº 2 do C.P.Civil, ao tribunal é facultado coligir provas e recolher informações, e tendo presente que o nº 1 do artigo 708º daquele mesmo diploma legal permite a realização das diligências reputadas por necessárias, por Acórdão do tribunal de 29.04.99 decidiu-se recolher os elementos tidos por indispensáveis para uma melhor reapreciação da causa, obtendo-se elementos constantes de fls. 83 e 84.


Colhidos os vistos legais, cumpre agora passar a apreciar e decidir.


O presente recurso vem interposto exclusivamente sobre o relatório ao valor da pensão de alimentos devida aos menores e que foi fixada, pela primeira instância, em seiscentos mil meticais, o que não mereceu concordância por parte de ambos os progenitores.


Relativamente ao pronunciamento do Ministério Público junto desta instância de que caberia às partes fazer prova dos meios económicos de quem está obrigado a prestar alimentos, importa, desde logo, não perder de vista de que a jurisdição de menores, de natureza cível, reveste as características de jurisdição voluntária, na qual o tribunal não se acha circunscrito à prova apresentada pelas partes em litígio, conforme se extrai claramente do preceituado pelo artigo 1409º, nº 2 do C.P.Civil e, por outro lado, trata-se, por excelência, de uma jurisdição de equidade, conforme se conclui do consignado no artigo 1410º daquele mesmo diploma legal. No entanto, não significa isto que às partes não se deva impôr uma actuação demonstrativa dos factos, por elas invocadas em juizo, através dos meios de prova admitidos por lei.


Por tal razão que o invocado pelo Digno Agente do Ministério Público não possa ter a devida relevância no caso em apreço.


Para a fixação de pensão de alimentos, os respectivos parâmetros legais encontram-se estabelecidos nos artigos 2003º e 2004º do C.Civil em vigor, sendo a partir dessa base que o tribunal se tem de orientar para precisar o montante dos alimentos a prestar.


É, precisamente, na base dos princípios constantes daquelas duas disposições legais que terá de assentar a presente reapreciação.


A apelante veio considerar insuficiente o montante fixado pela primeira instância, a título de pensão de alimentos devidos aos seus três filhos menores, tendo em consideração as necessidades de sustento, agasalho, vestuário e educação daqueles


Por seu lado, o apelado contrapõe-se à posição assumida pela apelante, não só por considerar que a aludida pensão já fora alterada por três vezes, mas também porque atendendo aos encargos que possui, apenas entende poder contribuir com o montante de duzentos e cinquenta mil meticais.


Relativamente ao invocado pelo apelante de que a pensão de alimentos já fora alterada por três vezes, importa, desde já, deixar precisado que não corresponde aos elementos de prova constantes dos autos. De facto, como se pode verificar dos dois processos apensos, esta é a segunda alteração produzida. Inicialmente, no processo nº 327/87, ao proceder, em 08.08.89, à regulação do exercício do poder paternal, fixou-se, pela primeira vez, a pensão de alimentos em 50.000,00 Mt. Mais tarde, em 31.12.92, veio a ser actualizada a mencionada pensão, no processo nº 189/92, que passou a ser de 150.000,00 Mt. Por sua vez, através dos presentes autos, em 13.12.95, aquele valor veio a ter alteração para 600.000,00 Mt ., valor este que foi posto em causa pela apelante.


Portanto, que se tenha de concluir ter havido apenas duas situações de alteração, estando a última dependente da reapreciação em curso. Como tal que não possa proceder este argumento apresentado pelo apelado.


Em todo o caso, a propósito ainda de tal fundamento, importa ainda deixar precisado que sempre será possível ocorrer alteração de pensão alimentos, quando se verificarem circunstâncias que justifiquem a sua alteração, conforme a regra estabelecida no nº 1 do artigo 99º do E.A.J.M., aplicável subsidiariamente ao caso da acção de alimentos. E esta necessidade decorre, aliás, das obrigações impostas aos pais de providenciar acerca dos alimentos dos filhos, conforme princípio expresso na alínea a), do nº 1 do artigo 1881º do C.Civil. Obrigação que, de igual modo, é imposta aos pais pelo nº 2 do artigo 27 da Convenção Sobre os Direitos da Criança.


Quanto ao argumento apresentado pelo apelado para se opôr à pretendida alteração, de que como comerciante está sujeito às vicissitudes da conjuntura económica, sendo baixas as suas receitas. No concernente à conjuntura económica, os dados dos últimos três anos apontam para um crescimento da economia nacional e do mercado, com estabilidade da moeda e pouca flutuação de preços, razão pela qual aquele não pode ser argumento convincente. E, quanto à magreza das receitas apuradas no exercício do comércio, o apelado não o evidencia, designadamente, através das receitas, por si remetidas ao fisco relativas ao imposto de circulação, que vigorou até Abril passado.


Quanto aos encargos que o apelado diz possuir com a constituição de uma nova família, também em nenhum momento o recorrido tratou de fazer prova de tal facto, como se lhe imporia que fizesse.


Numa primeira tentativa de apurar a situação económica do apelado, ela resultou infrutífera como se pode verificar da parte final do relatório do inquérito de fls. 11 E, do segundo inquérito efectuado em 29.05.95, apenas foi possível obter os elementos constantes de fls. 31, donde se conclui que o recorrido tinha despesas fixas no montante global de 243.400,00 Mt e que o seu agregado familiar era composto por duas pessoas.


Por outro lado, dos dados obtidos através da Direcção da Indústria, Comércio e Turismo da Cidade de Maputo é possível concluir que o apelado continua a explorar um estabelecimento comercial tipo tabacaria.


Paralelamente, na perspectiva das necessidades dos menores, importa ter em conta que os mesmos contam hoje, respectivamente, com 20, 13 e 11 anos de idade, o que torna mais gravosas as despesas com a sua manuntenção.


Entretanto, interessa ter presente que entre a data em que foi proferida a sentença da primeira instância e a altura em que se está a proceder à sua reapreciação já decorreram quase quatro anos.


Pelas razões acima expendidas que importe considerar procedente os fundamentos do presente recurso e, como tal, que se justifique alterar o valor da pensão de alimentos fixado pela primeira instância.


Nestes termos e pelo exposto, decidem fixar a pensão de alimentos devidos aos menores em dois milhões de meticais.


Sem custas.



Maputo, 23 de Setembro de 1999

Ass: Luís Filipe Sacramento e Afonso H. Fortes