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[1997] MZTS 1
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Processo n.º 49/95 em relacao a Legitimidade (Processo n.º 49/95) [1997] MZTS 1 (19 June 1997)
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Processo n.º 49/95
Legitimidade
Sumário:
I. A legitimidade do autor afere-se pelo interesse directo em demandar, e que esse interesse exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção;
I A lei não obriga nos casos de uso ilegítimo do nome que o Autor peça, necessariamente, o cancelamento do registo do nome cujo uso exclusivo reclama, porque está-se em face de um direito patrimonial na inteira disponibilidade do seu titular.
III. O autor não é obrigado a indicar, na petição inicial, o montante exacto dos danos e no caso das partes não fornecerem elementos, ou estes não forem convincentes, o tribunal pode condenar no que se liquidar em execução da sentença, ou determinar o valor que lhe parecer mais conveniente, segundo o seu prudente arbítrio nos casos em que julgar exagerado o valor, ou nos demais;
IV. Os comerciantes em nome individual só podem tomar como firma o seu nome civil, completo ou abreviado, podendo adicionar-lhe uma designação referente à espécie de comércio que exercem;
V. Tratado-se de um direito sujeito a registo – ou pelo menos registado – em caso de conflito quanto à titularidade tem-se como legítimo possuidor o registo anterior.
A..., réu nos autos de acção ordinária 25/93 do Tribunal Judicial da Província de Inhambane, movida por B..., recorreu da sentença decretada por aquele tribunal, na qual se reconhece ao autor o direito do uso exclusivo do nome e firma com a designação “Escola de Condução da Cidade da Maxixe”, e se ordena o cancelamento do registo da designação “Escola de Condução de Maxixe”, pertencente ao réu, devendo este adoptar outra designação. Foi ainda o réu condenado a pagar, a título de indemnização, pelos prejuízos que o autor sofreu pelo uso indevido daquele nome pelo réu, a quantia de 212.497.654,50 mt, e ainda ao pagamento das custas e máximo de procuradoria.
Nas suas alegações de recurso, diz o réu, ora recorrente:
a) que o autor, carece de legitimidade para a propositura da acção que deu azo à condenação porque, tratando-se de um litígio atinente ao nome e firma de uma escola de condução aquele deveria, para ser parte legítima, ter dado provas que possui licença titulada por alvará, para exercer a actividade. Enumera o recorrente, de forma exaustiva, a tramitação burocrática conducente à aquisição do alvará, e que, no seu entender, o recorrido não cumpriu. Conclui, desse modo o réu, que o autor exerce ilegalmente a actividade, daí a ilegitimidade para demandar;
b) que há falta de pedido, dado que o autor, para impugnar os factos comprovados pelo registo existente a favor do réu tinha que pedir o cancelamento desse mesmo registo.
Como não o fez, então não há pedido, e desse modo a acção devia ter sido liminarmente indeferida nos termos do artigo 193, n.2 alínea a) do C.P.C;
c) que há falta de causa de pedir, pois que as razões que o autor invoca para pedir a indemnização não relevam para o caso, devendo por isso considerar-se o processo nulo nos termos do artigo 193 do C. P. Civil;
d) que o pedido é ininteligível porquanto o autor ao pedir como indemnização o correspondente à receita bruta e não aos lucros cessantes e aos danos emergentes não só exagerou no pedido, como também não deu elementos que pudessem servir de critério para indicar o que pode ser indemnizável, tornando, assim, a ininteligibilidade insuperável; que outro caso de ininteligibilidade é o facto de o autor ter determinado um valor a título de prejuízos indirectos sem especificar o seu fundamento;
e) que há violação do direito de defesa porquanto o réu apresentou um articulado superveniente em que indica os supostos factos constitutivos do seu direito (direito à indemnização) fora do prazo; que desse facto ele réu não foi notificado para se defender, o que viola o artigo 100 da Constituição, conduz à situação de falta de citação e se traduz no conhecimento pelo juiz a quo, de uma questão de que não devia conhecer;
f) que há nulidade do despacho-sentença porque o tribunal a quo condenou o réu ao cancelamento do registo da escola de condução, quando o autor não pediu o cancelamento da matrícula do réu; que há, por isso, nulidade que resulta da condenação em objecto diverso do pedido, nos termos do artigos 668, n.1 alínea e) e 715 do C.P.C., conjugados com o artigo 12 do Código do Registo Predial.
Termina, o recorrente, pedindo a anulação de todo o processo com fundamento na ineptidão da petição inicial, dando-se provimento ao recurso.
Por sua vez, o recorrido, refutando todo o conteúdo das alegações, diz:
a) que o recorrente perde-se em dissertações que nada têm a ver com o mérito da causa. Anexando às contra-alegações o seu alvará, diz o recorrido, que contrariamente ao que o recorrente invoca, o alvará não tem nenhuma relevância para a questão controvertida;
b) que o registo por ele efectuado é anterior ao do recorrente, pelo que é o único que é válido, sendo o do réu, irregular; que a escola de condução aberta por ele recorrida na cidade de Maxixe, contrariamente ao que o recorrente pretende, não é uma representação da escola que tem na Cidade de Maputo mas uma nova escola distinta desta;
c) que o que o recorrente apelida de articulado superveniente outra coisa não é senão uma actualização do valor da indemnização já pedida na petição inicial; que o pedido e o cálculo da indemnização fundaram-se nos artigos 564 e 565 do Código Civil;
d) que grande parte dos pedidos contidos nas alegações do réu são extemporâneos;
e) termina, o ora recorrido, dizendo que mantém o seu pedido e que o valor da indemnização, atento ao lapso de tempo decorrido, ascende agora a um valor provisório de 1.636.574.004,65 mt, de acordo com o mapa junto.
Tudo posto pelas partes, cabe-nos, ora, apreciar:
A questão da ilegitimidade do autor, ora levantada pelo réu, não tem, quanto a nós, razão de ser. Efectivamente, diz a lei que, a legitimidade do autor afere-se pelo interesse directo em demandar (artigo 26 do C.P.C.), e que esse interesse exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção. Numa situação em que há um conflito atinente a dois registos de denominação de dois estabelecimentos comerciais situadas na mesma praça, quem, senão autor e réu, teriam legitimidade para demandar e contradizer?
É que, mesmo que tivéssemos de considerar que o autor encontra-se irregularmente inscrito como comerciante, tal irregularidade nunca poderia constituir motivo de ilegitimidade, uma vez que o que releva é o interesse em jogo. O que se discute na questão da legitimidade é a titularidade da relação material em causa no processo. Cremos que o recorrente confundiu, salvo o devido respeito, a questão da legitimidade com a problemática da procedência da acção. De facto, a irregularidade invocada pelo recorrente só relevaria, eventualmente, para a improcedência da acção, tudo dependendo do objecto desta.
Quanto ao pedido importa notar que o autor, na sua petição inicial, deixa expresso que como consequência do uso indevido da sua “firma-denominação” por parte do réu, deve este ser declarado culpado de usurpador de um direito (previsto no artigo 27 do C. Comercial e que estabelece o uso exclusivo da firma, conforme vem referido no parágrafo 3 da petição) e outrossim devedor de um valor de ... por conta de perdas e danos causados aos interesses do A.
Mesmo que tivéssemos de admitir que o autor omitiu o pedido de cancelamento do registo efectuado a favor do réu, certo é que, o dispositivo invocado pelo autor na sua petição para justificar o pedido acima transcrito, o artigo 28 do C. Comercial, refere que a parte que se julga lesada tem o direito de pedir a condenação da outra parte, de entre outras medidas, no pagamento de uma indemnização por perdas e danos, pedido esse que o réu fez de forma expressa na sua petição.
A lei não obriga, e nem se vê como poderia obrigar, em casos desta natureza, que a parte lesada, peça necessariamente o cancelamento do registo do nome cujo uso exclusivo reclama, porque está-se em face de um direito patrimonial na inteira disponibilidade do seu titular. Sobre o conteúdo da petição pronunciar-nos-emos de novo, adiante, quando abordarmos a alegação do recorrente quanto á nulidade da sentença com fundamento em condenação em objecto diverso do pedido.
Também não tem sentido, salvo o devido respeito, que se considere o pedido ininteligível pelo facto de o autor não ter, alegadamente, fundamentado o cálculo da indemnização e que na perspectiva do autor, tem o seu fundamento nos prejuízos resultantes da culpa do réu no uso ilícito do nome e firma dele autor, outra coisa é o quantum dessa indemnização. Há clara distinção entre o pedido e o valor material desse pedido.
O quantum da indemnização não integra o universo dos requisitos da petição. Tanto assim é que, nos termos do artigo 569 do C. Civil, o autor nem é obrigado a indicar o montante exacto dos danos e em caso de as partes não fornecerem elementos, ou estes não forem convincentes, o tribunal pode condenar no que se liquidar em execução da sentença, de acordo com o disposto no artigo 661, n. 2 do C. P. Civil, ou determinar o valor que lhe parecer mais conveniente, segundo o seu prudente arbítrio (Art. 566, n.3 C. Civil) nos casos em que julgar exagerando o valor, ou nos demais.
Quanto à violação do direito de defesa e à consequente falta de citação, alegados pelo réu, a propósito da peça de folha 47 em que o autor apresenta a actualização do valor da indemnização, para além do que expusemos no parágrafo anterior (veja-se o texto integral do artigo 569 do C. Civil), importa dizer que o réu, se entendesse tal facto nos termos ora alegados, deveria ter arguido a questão na sua primeira intervenção posterior ao facto (interveio, por exemplo, a folhas 78), para impedir que tal nulidade se considerasse sanada(artigo 196 do C. P. Civil).
Finalmente, e ainda em alusão à sanação das nulidades, há que notar que os factos acima alegados pelo réu para arguir a ineptidão da petição, deviam ter sido excepcionados na contestação e não nesta fase do processo, como ordenam os artigos 193 e 204 do C. P. Civil.
Relativamente à nulidade do despacho-sentença, por alegadamente ter condenado em objecto diverso do que se pediu, começaremos por transcrever o que consta no início da petição inicial, a folhas 2 dos autos. Diz o autor que, propõe contra o réu, uma acção declarativa, com processo ordinário, de reconhecimento do direito do uso exclusivo do nome e firma já referidos, por parte do A., e condenação do mesmo A... no pagamento de uma indemnização por conta de perdas e danos directos e indirectos que o R. Causou, nos termos dos artigos nºs 26, 27 e 28 todos do Código Comercial em Vigor.
Portanto, para além da indemnização pedida, o autor pediu lhe fosse reconhecido judicialmente o uso exclusivo do nome e firma a que os articulados referem. Ainda que seja no início da petição, este pedido está de tal forma expresso que não há como ignorá-lo.
O que o Juiz a quo fez, foi considerar, como consequência necessária do reconhecimento do uso exclusivo do citado nome e firma, o cancelamento do registo do nome e firma do réu. Será que tal procedimento ofende o comando dos artigos 661 n.1 e 668, n.1 alínea a) do C. P. Civil?
O registo, nas conservatórias dos registos, destina-se a dar publicidade aos actos ou factos, tendo como consequência a sua oponibilidade, por parte do respectivo beneficiário, contra terceiros. Tratando-se de direitos patrimoniais imateriais como o nome, o seu uso exclusivo e a consequente exigência de que as demais pessoas se abstenham de ir contra esse direito, só pode ter lugar através do registo.
Desse modo, não se vê como poderá o réu beneficiar do reconhecimento judicial daquele direito, sem que a questão se repercuta a nível dos registos. A lógica desta argumentação, assente no princípio e nos fins do registo é de tal modo forte que, mesmo que a sentença não fizesse referência expressa ao cancelamento do registo do nome efectuado pelo réu, a simples declaração judicial da proibição do uso do nome por este, sempre obrigaria a que a conservatória dos registos fizesse, em face da sentença, o aludido cancelamento.
Em conclusão, não vale dizer que o tribunal condenou em objecto diverso do pedido, quando se trate de facto que resulta como consequência necessária de um direito judicialmente reconhecido a pedido da parte.Quanto ao mais alegado pelo réu, importa dizer que o objecto da acção (em sentido amplo, isto é, incluindo, para além dos demais articulados, a contestação – que como se alcança dos autos, não é seguida sequer de reconvenção), é o direito ao uso da firma denominação ou nome e firma, de acordo com o expresso pelas partes.
Não se trata, como ora parece pretender o recorrente, da impugnação do registo em si, no que ele tem de essência ou de autentidade.Na sua contra-alegação o recorrido não traz ao processo elementos novos de direito dignos de comentário, tendo-se limitado a refutar de forma genética a alegação e acrescentado que o cálculo da indemnização funda-se nos artigos 564 e 565 do C.Civil.Vistas e comentadas as alegações, cabe-nos, ora, dizer:
Autor e réu disputam a titularidade do que apelidam de firma e nome, ou firma-denominação, “Escola de Condução da Ciadade da Maxixe” e “Escola de Condução da Maxixe”. Autor e Réu são comerciantes em nome individual e como tal, nos termos do artigo 20 do Código Comercial, só podem tomar como firma o seu nome civil, completo ou abreviado, podendo adicionar-lhe uma designação referente à espécie de comércio que exercem.
A título de exemplo, seria, “B... – Escola de Condução”, “A... – Condução de Automóveis”, etc. Suponhamos que a actividade fosse a de confecções, as suas firmas poderiam, se quisessem adicionar designações, “A... – Confecções”, B... – confecções” ou “B... – Modas”, etc.O que os registos oficiais constantes nos autos consideram de designação, que, quer a conservatória dos registos, de forma expressa, quer as próprias partes de forma implícita, reconhecem que é distinto da firma e é usada independentemente desta, outra coisa não pode ser senão um nome que cada um decidiu adoptar no exercício da sua actividade comercial, nome esse, cuja publicidade e protecção as partes procuram através do registo na conservatória dos registos da área onde se encontram estabelecidos.
Trata-se de uma questão de propriedade imaterial ou intelectual, que não sendo comercial, uma vez que não é tratada no Direito Comercial, há de encontrar a sua protecção jurídica no domínio do direito privado geral, como direito real de propriedade que é – atente-se ao disposto nos artigos 1303, 1305 e 1315, todos do Código Civil .O fundamento do pedido do A., é que o R., usa no seu estabelecimento comercial um nome igual ou que se confunde com o nome que ele A. adoptou no exercício da sua actividade comercial, sendo que ambos exercem, na mesma Cidade, uma actividade comercial da mesma espécie; que tal facto constitui uma usurpação do direito que ele A. devia exercitar a título exclusivo e que, tratando-se de uma designação ligada ao seu estabelecimento comercial tem conduzido a que alguns clientes se dirijam erradamente para o estabelecimento do R., o que dá azo a prejuízos materiais em termos de lucros cessantes e de danos emergentes.Tal como entendeu o Juiz a quo, os nomes “Escola de Condução da Cidade de Maxixe” e “Escola de Condução da Maxixe” confundem-se. Note-se que o único elemento que os distingue é a palavra cidade. Porém, Maxixe, como é sabido, é cidade.
Na linguagem corrente, quando se faz menção de unidades territoriais administração é usual suprimirem-se as designações cidade, distrito, vila, etc., bastando a designação do nome da unidade territorial.Portanto, entre a nossa comunidade facilmente a “Escola de Condução da Cidade de Maxixe” pode ser chamada e tida apenas como “Escola de Condução da Maxixe”. Esta questão é tão pacífica que em nenhuma ocasião dos autos o réu negou o facto.
Tratando-se de nomes ligados a estabelecimentos comerciais situados na mesma área territorial – cidade – exercendo a mesma espécie de actividade comercial, fácil é ao cidadão médio ser induzido em erro e dirigir-se a um estabelecimento no lugar do outro, o que em termos comerciais é susceptível de concorrer para a diminuição das receitas (resultante da diminuição dos clientes) do estabelecimento que tiver adoptado o nome em primeiro lugar.Tratado-se de um direito sujeito a registo – ou pelo menos registado – em caso de conflito quanto à titularidade tem-se como legítimo possuidor o que tem por título em registo anterior à posse, como dispõe o artigo 1268 n.2 do Código Civil.
O registo a favor do A. remonta de Março de 1993 – fls. 6 dos autos – e o do R. é posterior àquela data – fls. 40.Facto curioso é que, o réu também coloca o autor na situação de ter sido notificado para mudar a denominação do seu estabelecimento, pelas autoridades da Direcção Nacional dos Transportes Rodoviários. Contudo, aquele não fez prova do facto nos autos, como lhe competia, acordo com o que a lei dispõe em termos de ónus da prova – Art. 342, n. 2 do Código Civil.
Poder-se-ia até dizer, à partida, que o réu ao registar o nome em causa não sabia que lesava direitos de terceiros, considerando-se que nessa altura, agiu de boa fé. Todavia, após a sua notificação para adoptar outro nome, como vem provado nos autos a folhas 8, a boa fé no uso da designação ora em disputa, cessou.
Pelo exposto, não há dúvidas quanto à justeza da decisão no tribunal a quo quanto aos factos, sendo que, quanto ao enquadramento jurídico, há que considerar os reparos aqui feitos.Relativamente ao cálculo da indemnização, os elementos trazidos pelo autor nos autos, embora não tenham sido especificadamente impugnados pelo réu, não fazem fé bastante, dada a forma simplista e arbitrária que norteou a sua elaboração.
Nos termos expostos, acordam os juizes desta Secção Cível em considerar o recurso improcedente, confirmando, assim a sentença recorrida, com os reparos aqui feitos quanto ao enquadramento legal dos factos.Relativamente à indemnização pedida, pelos fundamentos expostos e em alusão ao dispostos ao Art. 661 nº2 do Código de Processo Civil, condenam no que se liquidar em execução de sentença.
Custas pelo recorrente.
Maputo, 19 de Junho de 1997
Ass: Mário Fumo Bartolomeu Mangaze, Luis Filipe Sacramento e AfonsoArmindo Henriques