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[1997] MZTS 3
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Processo N.º 111/97-A em relacao a Suficiência indiciaria, Associação criminosa (Processo N.º 111/97-A) [1997] MZTS 3 (10 December 1997)
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Processo N.º 111/97-A
Suficiência indiciaria
Associação criminosa
Acórdão de 10 de Dezembro de 1997
Sumário:
Para que o arguido de uma infracção criminal possa ser pronunciado, basta a existência de indícios ou forte suspeita radicada em elementos constantes nos autos;
Para se dar como provado o crime de associação criminosa é necessário a verificação de alguns pressupostos, nomeadamente: a pluralidade de pessoas que combinam entre si a prática de ilícitos criminais, a curta duração, a estrutura organizatória a formação de vontade colectiva e o sentimento comum de ligação.
Acórdão
Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal Supremo:
A, melhor identificado a fls. 129 - verso dos presentes autos:
B, (fls. 193):
C, idem:
D, idem:
E, idem:
F, (193-verso):
G, idem:
H, idem:
I, (fls. 194):
J, (fls. 194):
K, (fls. 194):
Foram pronunciados todos eles com excepção do último, pela Meritíssima Juíza de Direito do Tribunal Judicial da Província de Maputo, na Matola, pelo cometimento dos seguintes crimes:
Associação para delinquir, p. e p. nos termos do art. 263º do Código Penal, com referência à Lei n.º 10/87, de 19 de Setembro;
Roubo qualificado, p. e p. nos termos do art. 435 nºs 1 e 2, do C. Penal com referência também à Lei n.º 10/87, de 19 de Setembro;
Furto de veículos, p. e p. nos termos do art. 1 nº1 alínea e) do decreto-lei n.º 44.939, de 22 de Março de 1963.
O arguido A é ainda pronunciado pela prática do crime de corrupção activa, p. e p. nos termos do art. 321º do C. Penal.
Quanto ao réu K, o referido despacho pronuncia-o apenas como encobridor do crime de roubo qualificado, p. e p. pelo art. 435º N.ºs 1 e 2 do C. Penal, bem como de encobridor do crime de furto de viaturas, p. e p. pelo art. 1, n.º 1, alínea e) do decreto-lei n.º 44.939, já atrás mencionado, em conjugação com o art. 23 do Código Penal.
Com relação as circunstâncias agravantes contidas no despacho de pronúncia, são referidas para todos os réus, à excepção de K, as seguintes, todas do art. 34 do C. Penal, a premeditação (1ª), pactuação entre duas ou mais pessoas (7ª), convocação de outras pessoas (8ª), emboscada, disfarce, surpresa etc. (11ª) , lugar ermo (18ª), superioridade ( 28ª), reincidência ou sucessão de crimes ( 33ª) e acumulação ( 34ª).
Como atenuante é referida a situação 3ª ( menor de 18 ou 21 anos), apenas aplicável ao réu I, prevista no art. 39º do C. Penal.
Fundamentando o douto despacho de pronúncia, diz o Juiz da causa o seguinte:
Que em data e mês não especificados nos autos, os arguidos resolveram constituir um grupo de malfeitores para o cometimento de crimes, com destaque para o roubo de viaturas, nas estradas dos Distritos da Província de Maputo e Cidade de Maputo.
Que o grupo era chefiado pelo co-arguido A, o qual planeava e dirigia as acções criminosas que eram executadas por arma de fogo, de que o mesmo havia solicitado licenças para o seu porte, alegando que era para efeitos de actividades de caça e defesa pessoal, bem como outras armas de proveniência ainda não determinada.
Que o grupo estava bem organizado, possuindo várias ramificações na província e Cidade de Maputo, bem como alguns países vizinhos, possuindo até ``telebips´´ para efeitos de comunicação.
Que as viaturas roubadas pelos co-arguidos eram escondidas numa propriedade pertencente ao co-arguido C, sita em Mahubo, no Km 10, no Distrito de Boane.
Que uma parte das viaturas eram desmontadas e vendidas em peças pelo grupo, em diversos pontos do país, sendo abandonadas aquelas que não tinham nenhum interesse comercial - vd. Fls. 152 153 154, 155 e 156 dos autos, que reportam as fotos tiradas no local da propriedade.
Que outras viaturas eram levadas para a República da África do Sul pelo chefe do grupo o co-arguido A.
Que no dia 18 de Outubro de 1996, cerca das 07H45, o co-arguido E, na companhia de um grupo de meliantes não identificados nos autos, na posse de uma arma de fogo, assaltaram em plena via pública o cidadão O, apoderando-se de uma viatura Toyota Land- Cruiser de cor branca com a matrícula MLR-94-83, a qual posteriormente levaram para o esconderijo do grupo em Mahubo.
Que é a viatura acima referida que foi encontrada pela P.R.M. no esconderijo de viaturas roubadas, descoberta no dia 18/10/96, cerca das 10 horas, em Mahubo, no Distrito de Boane. Para além da viatura acima referida pertencente ao núcleo de Apoio aos Refugiados, foi ainda encontrada no mesmo local um motor de uma outra viatura de marca Toyota Hilux, cujo proprietário se desconhece.
Que, na sequência da descoberta do esconderijo, a P.R.M. montou uma emboscada no local , de que resultou a detenção dos seguintes individuos:
E, F, D, B e C.
Que o arguido Mahomed A terá entregue, em datas não especificadas nos autos, três viaturas de proveniência duvidosa ao co-arguido K, tendo este as transportado para a RSA ou Suazilândia. As repectivas marcas eram uma Toyota 2.8, de cabine dupla, uma Toyota 2.8, de caixa aberta e cabine simples e outra Toyota 2.8, de caixa fechada
Que, na mesma e em outras ocasiões, o arguido A terá levado outras viaturas para o mesmo destino, as quais eram de proveniência ilícita, com o fim de ir vendê-las naqueles países.
Que, para facilmente ludibriar os funcionários das alfândegas, tanto da parte moçambicana como da suazilândia, o arguido A fazia uso de carimbos de movimento fronteiriço falsos, os quais foram apreendidos na sua residência aquando das buscas efectuadas pela polícia após a sua detenção - fls. 146 e verso.
Que o arguido A quando se apercebeu da descoberta do esconderijo de Boane pela polícia e da subsequente prisão dos seus comparsas encetou várias diligências no sentido de conseguir a soltura dos mesmos.
Com efeito, primeiro contactou o senhor L, membro da P.R.M. e Director do Centro de Formação de Michafutene, o qual se prontificou a diligenciar a soltura junto dos seus colegas em Boane e no comando Provincial da P.R.M, tentativa essa que fracassou.
14- Perante esse fracasso, o A contactou, de seguida os senhores M e N, oficiais da PRM a quem prometeu vinte milhões de Meticais em troca da soltura dos co-arguidos F,E e C.
Os referidos membros da PRM simularam colaborar com o arguido A, tendo este pago catorze milhões de Meticais em duas prestações de sete milhões cada uma.
Após a recepção do valor acima referido, os referidos membros da PRM, denunciaram o arguido A, tendo este sido imediatamente preso.
São estes de forma detalhada os factos contidos quer na acusação quer no despacho de pronúncia que consubstanciam os factos ilícitos que aos réus são ora imputados.
Reagindo ao seu conteúdo e não concordando com ele, os patronos de dois dos co-arguidos (de A e de K) imediatamente interpuseram recurso do despacho de pronúncia, tempestivamente admitido e com os legais efeitos.
Nas suas alegações, diz o patrono do arguido A resumidamente o seguinte:
Que não existe no processo de instrução qualquer prova de que o arguido A, seja chefe de uma associação de malfeitores da qual faça parte com os outros co-arguidos.
Que, embora se faça referência nos autos a roubos de viaturas, não existe qualquer prova disso ou de outro tipo de crime autónomo referenciado nos autos.
Que, apesar de se referir que A, chefiava a acção criminosa com armas de fogo de que o mesmo solicitara a necessária licença de porte e uso, não existe nenhuma referência em todo o processo a eventuais assaltos a mão armada que tivessem sido praticados com as tais armas de caça de que o A é legal proprietário.
Que, mesmo depois de preso e muito depois da data da prisão, foi feita a busca e apreensão das armas na sua residência, acompanhadas das respectivas licenças, o que não teria acontecido se as tivesse hipotèticamente utilizado, alguma vez para fins criminosos.
Que, tanto a douta acusação como a respectiva pronúncia, limita-se a dizer que o grupo “chefiado” por A possui várias ramificações tanto na cidade de Maputo como em alguns países vizinhos sem contudo referir quem eram os elementos constituintes dessas ramificações. Ora, qualquer ramificação tem de ter, no mínimo, um suporte humano e organização local, facto esse que não se infere do conteúdo dos autos.
Que não passa de mera imaginação, já que não tem suporte material nos autos, a referência de que o A pedira ao K, para levar três viaturas para RSA quando na realidade elas foram levadas para a Suazilândia e eram de proveniência lícita porquanto foram compradas num leilão da ONUMOZ.
Ora, transportar três ou mais viaturas para países vizinhos não constitui nenhum ilícito criminal, porquanto é normal que carros usados vindos de RSA ou Suazilândia se vendam em Moçambique, ou vice-versa. Nem mesmo se prova nos autos que o A vende tais viaturas.
Quanto ao co-arguido C, dono da já referida propriedade, o recorrente afirma nem sequer o conhecer ou ter relação com ele.
A douta pronúncia refere que os co-arguidos desmontavam e vendiam peças de automóveis roubados, em diversos pontos do país. Porém mais uma vez não diz que viaturas foram aí desmontadas nem onde foram vendidas essas peças nem tão pouco aparece ninguém a dizer que comprou essas peças.
Quanto a viatura Land-cruiser MLR- 94- 83, alegadamente roubada pelo arguido E ao cidadão O sob a ameaça de arma de fogo, essa afirmação não é sustentada por nenhuma prova de que o E fosse autor desse crime, já que nem o ofendido identifica como tal.
Quanto à detenção do E e do F, sustenta o patrono que não existe nenhum facto incriminador da conduta daqueles, já que ambos foram presos quando o primeiro conduzia a sua própria viatura e o segundo o acompanhava quando iam comprar carne de caça na região.
Tanto assim é que ambos os co-arguidos foram presos na estrada, e não já na referida quinta (dito esconderijo), e nem sequer conhecem o seu proprietário.
Que o facto de ter encontrado um carimbo na casa do arguido A semelhante ao usado nas fronteiras, não significa necessariamente que o mesmo era utilizado para realizar os crimes constantes da pronúncia. Aliás, o seu proprietário não é o A mas sim um primo seu.
Quanto à referência ao hipotético crime de corrupção activa de que o co- arguido A vem também indiciado e pronunciado, este aceita que tenha intervindo para a soltura apenas do E e do F, (não dos restantes) induzido por laços de amizade e por estar ciente de que ambos não tinham cometido crime algum.
Mais ainda, o recorrente nega que tenha alguma vez entregue aos agentes da autoridade os referidos catorze milhões de meticais, daí que ele próprio se interroga donde e como proveio o depósito desse montante na conta bancária da PRM, o qual deu azo a sua incriminação e prisão.
Depois de tecer várias considerações sobre o conteúdo e alcance do conceito de associação criminosa (vd art. 263º do C. Penal), o patrono do arguido A considera que no caso vertente tal imputação não pode proceder, porquanto os arguidos nem se conhecem todos entre si, nem os requisitos essenciais do crime se mostram preenchidos.
Afastada assim, na opinião do ilustre patrono do arguido A, a acusação de chefe da associação criminosa, também não se vislumbra nem se prova pelo conteúdo dos autos que o mesmo tenha praticado qualquer crime de roubo ou furto qualificado.
Assim, não pode nem deve o arguido A o responder por eventuais crimes que tenham sido cometidos ou confessados por outros co-arguidos alguns dos quais nem conhece.
Concluindo as suas alegações diz que:
Nem o arguido A nem os seus vizinhos (E e F), foram encontrados na posse de qualquer viatura furtada, ou directamente acusado de furto de viaturas ou especificamente identificados como tal.
Não está provada a existência de qualquer elemento essencial para consubstanciar o crime de associação de malfeitores nem o propósito de a constituir.
As restantes incriminações não têm por base nenhum facto concretamente comprovado.
Finalmente, o recorrente considera e reitera que não subornou os agentes policiais pois seria lógico que, se o tivesse feito deveria ser preso após a entrega dos ditos sete milhões de meticais, e não semanas depois.
Também tempestivamente interpôs recurso do douto despacho de pronúncia o advogado do co-arguido K nas suas alegações das fls. 223 e seguintes defende que:
Não existe nos autos qualquer sustentação legal válida, convincente e provada quer na fase da instrução preparatória quer na contraditória, de que o K seja encobridor de um crime de roubo ou furto qualificado.
Refere que, de acordo com a doutrina, no encobrimento real ou receptação, é necessário que o agente tenha conhecimento da proveniência ilícita ou criminosa dos objectos em causa - o que não se verifica no seu caso em concreto.
Que a simples vizinhança, amizade ou mero conhecimento entre pessoas não pode servir de base a tal grave incriminação que contra si é ora deduzida na pronúncia.
Só seria encobridor se ele, arguido (K) tivesse preenchido os pressupostos dos n.ºs 1 a 5 do art. 23º do C. Penal.
Para além do facto de ele nem sequer ter optado por fugir à justiça, se algo lhe passasse na consciência, dado o lapso de tempo decorrido entre as sucessivas audições em declarações até a materialização da sua detenção, acresce o facto de que o K apenas serviu efectivamente de simples condutor das referidas viaturas facto esse que ele próprio admitiu espontaneamente, por estar ciente de que sobre essas viaturas não existe qualquer suspeita ou prova de ilicitude. Aliás, elas tinham toda a documentação legal, porque compradas , segundo ele, em hasta pública à ONUMOZ.
Aliás a douta pronúncia não se refere à existência de alguma reclamação ou denúncia de desaparecimento de viaturas que coincidam com as que o arguido transportou.
Por último, nas suas alegações, diz o K que apenas conhece os co-arguidos A, E e F, seus vizinhos de bairro. Quanto aos restantes co-arguidos, nunca os viu nem os conheceu, senão pela primeira vez na cadeia.
Onde está então a associação de malfeitores da qual ele faria parte? - interroga-se.
Apresentados sucintamente os fundamentos das alegações dos dois recorrentes, há a referir que o Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido não contra-alegou e, já nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto limitou-se a apor o seu visto, não formulando qualquer parecer.
Tudo visto - Deste modo, e nos termos do disposto no art. 663º do C. P. Penal, cumpre agora apreciar e decidir.
De acordo com a doutrina subjacente ao Código de Processo Penal em vigor no nosso país e com a posição firmada, por via de jurisprudência na interpretação e aplicação das suas normas basta a existência de indícios ou de forte suspeita, radicada em elementos constantes dos autos, para que o arguido de uma infracção criminal possa ser pronunciado.
" Indícios suficientes", "indícios bastantes de culpabilidade", "prova indiciária", etc… são várias expressões utilizadas em vários preceitos legais (v., entre outros, os arts. 327º, 349º e 362 do C. P. Penal e o art. 26 do decreto-lei n.º 35007, de 13 de Outubro de 1945), que traduzem a formulação de juízo de probabilidade sobre a existência do facto criminoso e sobre a sua imputação ao agente.
A prova indiciaria - que tem efeitos meramente processuais e não de carácter substantivo - permite ao juiz, usando do seu prudente arbítrio, convencer-se de que os elementos do crime, relativos ao facto, ao agente e à intenção são susceptíveis de virem a ser provados no julgamento. Essa convicção deve atingir um grau tal que por um lado, não permita submeter a pessoa indiciada a um vexame que seria o julgamento, sem causa justificativa, mas por outro lado, impedir que suspeitas ou dúvidas sérias deixem de ser apreciadas na audiência de discussão e julgamento, fase processual que reúne os mais completos meios probatórios para atingir a verdade - escopo e limite de todo o processo.
Vejamos então se, da prova indiciária recolhida nos presentes autos, resultam elementos suficientemente seguros para se poder formular o tal juízo de probabilidade, sobre o envolvimento dos recorrentes na perpetração dos crimes de que foram pronunciados.
Relativamente aos crimes de associação criminosa (art. 263 do C. Penal), de roubo qualificado ( art. 435 do C. Penal, alterado pela Lei n.º. 10/87, de 19 de Setembro ) e o crime de furto de viaturas:
A doutrina dominante sobre as associações para delinquir, (vd, inter alia, Figueiredo Dias in "Associações Criminosas " , publicada pela Coimbra Editora), sustenta que são requisitos ou pressupostos fundamentais para a existência de tal crime, a conjugação ou verificação de alguns (ou da totalidade) dos seguintes requisitos:
Uma pluralidade de pessoas que se ligam e combinam entre si a prática de ilícitos criminais.
Uma certa duração, que não tem de ser a "priori" determinada, mas que tem forçosamente de existir para permitir a realização do fim criminoso pela associação. Só com esta componente se terá atingido o limiar mínimo de revelação de um ente autónomo, que supere um mero acordo ocasional de vontades.
Um mínimo de estrutura organizatória, que sirva de substracto material à existência de algo que suporte os simples agentes. Deste modo, deverá requerer-se uma certa estabilidade ou permanência das pessoas que compõem a organização.
A existência de um processo, qualquer que ele seja de formação de vontade colectiva.
Finalmente, um sentimento comum de ligação, por parte dos membros da associação, a algo que, transcendendo-os, se apresenta como uma unidade diferente de qualquer das individualidades componentes da organização criminosa.
Apreciando estes pressupostos e analisando atentamente a matéria fáctica, e/ou indiciaria contida nos presentes autos, teremos forçosamente de concluir nesta matéria que alguns desses pressupostos se verificam nos presentes autos.
Senão vejamos:
É difícil acreditar que o A , apenas por alegados laços de amizade e companheirismo, se tenha preocupado tanto pelo caso em apreço chegando ao ponto de interceder junto de agentes da polícia para tentar a soltura ilícita do E e do F detidos justamente no local usado como esconderijo, ou nas suas proximidades, em Mahubo, Distrito de Boane.
Quanto aos dois carimbos apreendidos na residência do A, logo a seguir à sua detenção, é legítimo perguntar-se: o que faz uma pessoa comum com a posse de dois carimbos oficiais dos postos Alfandegários da Namaacha, sendo um em inglês e outro em português? É estranho no mínimo… Quem é o primo do A alegadamente dono desses carimbos? É ou não tudo isto um motivo forte e suficiente indício? Pensamos que sim.
Que provas documentais há nos autos de que as três viaturas alegadamente compradas num leilão da ONUMOZ foram efectivamente ali adquiridas?
Quanto ao local aonde foram encontradas as viaturas desmontadas (Mahubo) e detidos alguns dos arguidos: os populares ouvidos em declarações nos presentes autos confirmam que não era um local abandonado mas sim um lugar onde apareciam frequentemente pessoas, o que dificilmente se aceita ser mera coincidência.
Relativamente às armas de fogo apreendidas pela polícia na residência do co-arguido A (vd. Fls. 147):
As alegações do recorrente sobre esta matéria no sentido de que se trata apenas de armas de caça, não afastam a probabilidade ou presunção de elas terem sido usadas para a prática dos crimes de que os arguidos vêm pronunciados. É sabido que, muitas vezes, até mesmo armas forjadas são utilizadas para a prática de crimes, valendo-se os seus autores do factor ameaça que elas exercem sobre as suas vítimas. Improcede, desse modo, a fundamentação contida nas alegações do recorrente.
Quanto ao crime de corrupção activa que é imputado ao arguido A:
Pesem embora algumas contradições existentes nos diversos autos de perguntas a que o referido arguido foi submetido, no que respeita a tentativa do A de obter a soltura ilegal dos co-arguidos E e F, ditos seus amigos, tudo indica que efectivamente houve, da parte do arguido A a intenção assumida de subornar os agentes de autoridades com dinheiro - os autos apontam para um montante na ordem dos 14 (catorze) Milhões de Meticais.
Nem mesmo a fundamentação utilizada para tentar fazer a explicação do modo em que ocorreram esses factos, feitas pelo patrono do recorrente nas alegações de recurso (vide os XXXIII (33) a XLIII (43), fls. 215 a 217), se mostram suficientemente convincentes para afastar a presunção de que teria existido essa acção consumada ou frustrada de corrupção activa.
Termos em que, nesta instância, se conclui ser de manter o conteúdo do despacho de pronúncia, no que concerne à incriminação deste arguido pelo crime p. e p. pelo art. 321º do C. Penal.
Finalmente, quanto a conduta do co-arguido K:
Como se referiu no início do presente acórdão, vinha ele acusado e pronunciado de encobrimento nos crimes de roubo qualificado e de furto de viaturas. Tal acusação baseava-se tão somente no facto de ter aceite conduzir três viaturas alegadamente compradas em hasta pública realizada pela ONUMOZ de Maputo para a África do Sul a pedido do A.
Há nos autos prova bastante de que este co-arguido agiu de boa fé ao transportar as viaturas ali referidas acreditando que elas eram legítima propriedade de quem lhe pedira para as levar para fora de Moçambique, e fazendo fé em que estavam devidamente legalizadas e documentadas. Não há, aliás, nos diversos depoimentos recolhidos nos autos quaisquer indicações que o liguem à prática de infracções à Lei.
Nestes termos, e por tudo quanto foi atrás exposto e analisado decidem:
Dar como improcedente o recurso do co-arguido A. Manter, por isso, a douta pronúncia constante das fls. 192-verso a 198 - verso, contra os réus: A, B, D, C, E, F, H, G, I
Em consequência, manter a situação prisional dos referidos réus.
Dar como procedente o recurso interposto pelo co-arguido K. Assim, fica o mesmo despronunciado da prática de encobrimento nos crimes de roubo qualificado e de furto de viaturas, ordenando-se a sua soltura.
Boletins ao registo criminal.
Passe mandato de soltura a favor do arguido K.
O recorrente A vai condenado a pagar o máximo de imposto de justiça nesta instância.
Baixem os autos ao tribunal de 1ª instância, cumpridas que sejam todas as formalidades legais.
Notifique-se.
Maputo, aos 10 de Dezembro de 1997
Ass: Luís Victorino