Mozambique: Tribunal Supremo

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[1996] MZTS 3
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Proc. Nº 24/95 em relacao a Audição de menor, Inquérito social (Proc. nº 24/95) [1996] MZTS 3 (24 October 1996)
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Proc. nº 24/95
Audição de menor
Inquérito social
Sumário:
Impõe-se à autoridade judicial ouvir a opinião das menores sobre as medidas que venham a ser tomadas e lhes digam respeito directamente, nos termos do art.º 12º/1 da Convenção sobre os direitos da criança.
Durante a realização do inquérito social está vedado ao assistente social a possibilidade de contactar directamente o menor.
Acórdão
Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal Supremo:
O Digno Curador de Menores junto da 1ª Secção do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo veio requerer a regulação do exercício do poder paternal relativamente a A..., nascida em Maputo a 6 de Dezembro de 1981, filha de B e de C, por os progenitores viverem separados e não haver acordo entre ambos, quanto ao modo de exercer o pátrio poder.
Ordenada a realização de inquérito social, foi efectuado o mesmo, apurando-se os elementos constantes do relatório de fls. 5.
Tem depois lugar a conferência dos progenitores, a que alude o artigo 94º do E.A.J.M., sem que se tivesse logrado obter qualquer acordo, motivo pelo qual se procedeu à notificação de ambos, no referido acto, para que produzissem alegações, apresentassem o respectivo rol de testemunhas e requeressem o que tivessem por conveniente, no prazo de dez dias.
No prazo legal nenhum dos progenitores produziu alegações, como também nem apresentaram rol de testemunhas, nem requereram o que quer que fosse tendo-se, por isso dado cumprimento ao que estabelece o artigo 95º, n.º1 do E.A.J.M.
No seu visto, o Digno Curador de Menores emitiu parecer no sentido da menor A ser confiada à guarda e cuidados do pai, por ser esta a sua vontade, manifestada junto do assistente social.
Seguidamente foi proferida sentença, na qual se decidiu confiar a menor à guarda e cuidados do seu progenitor e se regulou a modalidade de contactos a estabelecer entre ela e a progenitora-mãe.
Fixou-se também o imposto de justiça em cinquenta mil meticais, a ser liquidado por ambos os requeridos em partes iguais.
É da sentença assim proferida que, por com ela não se conformar, a requerida mãe interpôs tempestivamente recurso, cumprindo o demais para que o recurso pudesse ter prosseguimento.
Nas suas alegações de recurso, a apelante veio dizer, em síntese que:
a menor A vivia na companhia da recorrente até a data em que foi proferida a sentença;
o recorrido não só não tem tempo para atender e cuidar da menor, como a madrasta é pessoa irrascível;
A entrega da menor ao recorrido tem graves consequências no seu aproveitamento escolar.
Conclui por considerar ser de rever o decidido pela primeira instância.
Juntou cópia dos resultados escolares obtidos pela menor
O recorrido contraminutou, vindo dizer, em resumo o seguinte:
Não corresponde à verdade o afirmado pela recorrente, quanto ao aproveitamento escolar da menor, conforme se vê das certidões juntas;
Não ser verdade que a menor tenha passado a viver com o recorrido na data em que foi proferida a sentença da primeira instância, como se pode constatar das declarações que anexa;
A menor foi deixada pela recorrente na casa dos avós paternos, em 1983 com a alegação de que não tinha meios para a sustentar;
A recorrente teve, em sua companhia, a menor entre Outubro de 1986 e Dezembro de 1988, período em que o recorrido esteve preso, e a partir daquela última data passou a estar aos seus cuidados;
A partir de 1993 a recorrente começou a reclamar a guarda e cuidados da menor, procurando até induzí-la a ir viver consigo;
Quando a menor visita a mãe, esta deixa-a frequentar recintos menos recomendáveis, até altas horas da noite, o que tem tido reflexos no seu aproveitamento escolar;
Conclui por considerar ser de julgar improcedente o recurso e, por via disso, ser de manter a decisão da primeira instância.
No seu visto o Digno representante do Ministério Público junto desta instância não emitiu qualquer parecer de realce para o caso em análise.
Colhidos os vistos legais, cumpre assim passar a apreciar e a decidir.
Um primeiro reparo que importa fazer ao procedimento seguido pela primeira instância tem a ver com o facto de não ter sido dado cumprimento devido ao princípio estabelecido no artigo 12, n.º1 da Convenção sobre os Direitos da Criança, princípio que passou a integrar a ordem jurídica interna, após o acto ractificante que teve lugar por intermédio da Resolução n.º 19/90, de 23 de Outubro (BR n.º 42-1ª Série – 2º Suplemento).
De acordo com o mencionado princípio à autoridade judicial impõe-se que ouça os menores, quando atestem capacidade de discernimento, para que possam expressar, de modo livre, a sua opinião sobre as medidas que venham a ser tomadas e lhes digam directamente respeito.
Por outro lado, incorrecto também se mostra o procedimento adoptado pelo assistente social, durante a realização do inquérito, face ao que se acha preceituado pelo n.º2 do artigo 64º do E.A.J.M., aplicável subsidiáriamente a este tipo de providência, já que, para poder exarar no relatório de fls 5-vº, o que se traduz em manifestação de vontade da menor, é porque, naturalmente, a contactou directamente, procedimento este que lhe estava vedado.
Apenas ao juiz da causa cumpriria ter ouvido a menor, de acordo com a lei vigente.
Um outro reparo interessa fazer em relação ao procedimento da recorrente e do recorrido.
Em momento próprio, antes de se ter procedido à proferição da sentença na primeira instância, ambos os progenitores foram devidamente notificados para apresentarem as razões que justificavam ser-lhes atribuído os cuidados e guarda da menor e para fazerem prova dos fundamentos invocados.
Porém, ao invés de o fazerem, remeteram-se ao mais completo mutismo, do qual apenas despertaram após ter sido tirada a sentença e já na fase do recurso.
Posto isto, importa agora passar a analisar os fundamentos do recurso que, no caso em apreço, incidem tão só sobre matéria de facto.
Como primeiro fundamento aponta a recorrente o facto da menor sempre ter estado aos seus cuidados até à data em que foi publicada a decisão da primeira instância, o que ocorreu em 13 de Abril de 1994.
Do relatório do inquérito de fls. 5-vº cumpre-se que a menor tem vivido na companhia do recorrido desde o ano de 1987, altura em que teria cerca de seis anos de idade.
Da declaração n.º 15/95, de fls. 48, prestada pelo Secretário do Bairro onde reside o recorrido, comprova igualmente este facto, embora se registe desajuste com o referido no relatório de inquérito social, quanto à data a partir da qual a menor passou a estar com o recorrido, já que se fala em 1988.
Por outro lado, da declaração prestada pela avó paterna da menor, junta a fls. 47, sobressai que a menor esteve na sua companhia de 1983 a Março de 1988.
Do exposto resulta que nada aponta no sentido da menor ter estado na companhia da apelante nos seis anos que antecederam a proferição da sentença e prova-se com evidência que a 13 de Abril de 1994 não estava na sua companhia.
A menor conta hoje cerca de 15 anos de idade e passou dois terços da sua idade fora dos cuidados directos da apelante.
Como tal que não possa proceder o referenciado fundamento, como segundo fundamento apresentado pela recorrente o facto de se registar mau aproveitamento escolar por parte da menor desde que deixou de estar na sua companhia.
Como resulta demonstrado nos autos, designadamente da certidão de fls. 46, a menor só passou a frequentar o ensino escolar em 1989, data esta em que se achava a viver à guarda e cuidados do recorrido.
E, como se pode constatar da mesma certidão passada pela Escola Primária 3 de Fevereiro, a menor frequentou com aproveitamento as 1ª, 2ª, 3ª, 4ª e 5ª Classes naquele estabelecimento de ensino entre 1989 a 1994.
Em 1995 a menor passou a frequentar a 6ª Classe na Escola Primária do 2º grau da Polana, onde o seu aproveitamento parece ter baixado, como se vê dos documentos de fls. 30 a 39 isto já depois de ter sido proferida a sentença da primeira instância.
Mas, não resulta, de modo algum, demonstrado nos autos que tal situação se deva, de forma evidente e exclusiva, a falta de acompanhamento e atendimento adequados por parte do recorrido. Razão pela qual também não possa proceder mais este fundamento.
Por último, invoca a recorrente que o recorrido não tem tempo para poder cuidar e atender devidamente a menor, situação esta agravada pelo facto da madrasta ser pessoa irrascível.
Está-se em presença de factos só agora trazidos no processo e, de qualquer modo, completamente desacompanhados da necessária prova.
Daí que não se possa atribuir-lhes relevância alguma, em termos de reapreciação da presente causa.
Nestes termos e pelas razões expostas julgam improcedente o recurso e mantêm, para todos os legais efeitos, a decisão da primeira instância.
Custas pela recorrente.
Maputo, 24 de Outubro de 1996
Ass: Luís Filipe Sacramento e Afonso Armindo Henriques Fortes