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Proc. nº 96/95 em relacao a Medidas provisórias, Critério de legalidade (Proc. nº 96/95) [1996] MZTS 2 (24 April 1996)

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Proc. nº 96/95


Medidas provisórias

Critério de legalidade

Circunstâncias supervenientes



Sumário:


  1. As medidas de carácter provisório somente podem ser ordenadas pelo tribunal da 1ª instância e vigoram até o momento da proferição da decisão final.


  1. O tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, conforme o disposto no artº 1410º do C.P.Civil não tendo por isso, que obedecer as regras fixadas no artº 659º quanto ao modo de eleboração da sentença.


  1. É nula a sentença sempre que exista desconformidade entre o que foi especificado, como fundamentos de facto e o que veio a decidir a final.


  1. Perante a alegação de que não se mostram verificadas as circunstâncias supervenientes que pudessem justificar a alteração do exercício do poder paternal, o tribunal deve proceder ao exame prévio decidindo a questão de imediato caso estejam reunidas as necessárias condições.


  1. O que a lei pretende com o estatutido no nº 1 do artº 99º do E.A.J.M. é tão só salvaguardar situações em que não se dê cumprimento ao que se tenha decidido relativamente à guarda, defesa, protecção e desenvolvimento do menor, pondo-se assim em risco o seu desenvolvimento harmonioso.



Acórdão


Acordam em Conferência, na Secção Cível do Tribunal Supremo:


A..., maior e residente nesta cidade de Maputo, veio requerer junto da 2ª Secção do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo a alteração da regulação do exercício do poder paternal em relação ao seu filho menor B..., tendo por fundamentos os constantes do requerimento inicial de fls 2 a 10, que se resumiam no essencial, ao facto da requerida mãe ter faltado ao decidido, por várias ocasiões, no que respeita ao regime de contacto entre si e o aludido menor .


Na parte final do citado requerimento vem propôr a adopção de certas regras relativas ao regime de visitas .


No requerimento de fls. 12 a 15, intitulado pelo requerente de factos supervenientes, por sua vez, o progenitor vem transcrever partes de anteriores decisões relacionadas com a modalidade de visitas por ocasião de datas festivas e de aniversários, para informar depois sobre dois factos ocorridos, que seriam demonstrativos de falta de cumprimento da requerida mãe, no que toca ao regime de visitas.


A fls. 18 e seguintes a requerida mãe veio apresentar as suas respostas ao requerimento inicial, nas quais esclarece não ter havido da sua parte qualquer incumprimento do anteriormente decidido quanto as modalidades de contacto do menor com o requerente. Conclui por considerar que não se verificam circunstâncias supervientes que possam justificar a pretendida alteração, pelo que o pedido é de indeferir, nos termos do disposto pela al. c), do nº 1, do artigo 447° do C.P.Civil.


Juntou os documentos de fls. 23 a 28.


Do inquérito social ordenado no início dos autos, apuraram-se os elementos constantes do relatório de fls. 35, respeitantes tão só às condições económicas e materiais do requerente.


No seu despacho de fls. 29 a meritíssima juiza da causa não se pronunciou sobre a questão levantada pela requerida mãe, na parte final das suas respostas, limitando-se a ordenar a realização da conferência dos progenitores.


A fls 37 e 38, o requerente veio solicitar ao tribunal a adopção de medidas provisórias no concernente ao contacto do menor com ambos os progenitores durante o periodo de férias escolares a decorrer entre o mês de Dezembro de 1993 e Janeiro de 1994.


Sobre o aludido requerimento pronunciaram-se a requerida mãe e o Digno Curador de Menores, respectivamente, a fls. 42 e 43. Este Digno Magistrado foi de opinião que se realizasse, de imediato, conferência dos requeridos pais, para se procurar obter deles acordo quanto a esta questão.


A fls. 44 foi proferido despacho decisório sobre a referida questão, na qual se inicia por dizer que a sentença anterior é c1ara quanto à matéria respeitante as férias do menor, para logo de seguida se considerar justificada a necessidade de nova tomada de decisão, por se verificar falta de entendimento dos progenitores sobre a mesma. Deste modo acabou por se decidir que o menor B... deveria passar as férias esco1ares com o pai de 1 a 19 de Janeiro, data em que devia ser entregue à mãe, para com ela passar os restantes dias.


Notificados os progenitores desta decisão, o requerente pai veio, através do requerimento de fls. 47 a 50, reclamar do periodo que lhe fora concedido, ao invés de interpôr recurso, nos termos da lei.


A meritíssima juiza da causa, em vez de dar cumprimento ao que é de lei, solicitou o parecer do Digno Curador de Menores, para depois e sobre a mesma questão, ordenar que fosse dado integral cumprimento ao que já se achava estabelecido por sentença anterior, o que se traduz em implícita revogação do que decidira antes, a fls. 44.


Procedimento este que se mostra como irregular, por constituir flagrante atropelo do princípio processua1 segundo o qual com a proferição de uma decisão fica, de imediato, esgotado o poder jurisdicional do julgador - cfr. nº 1, do artigo 666° do C.P.Civil.


Sobre tal despacho, com natureza decisória, veio a requerida mãe reagir, embora não o tenha feito no modo lega1mente establecido, já que a reacção teria de ser feita por via de recurso, interposto nos termos da lei.


Por intermédio do requerimento de fls. 59 a 62, a requerida mãe veio procurar demonstrar, com base em prova documental, sucessivos factos atestando o incumprimento do estabelecido em anteriores decisões judiciais, por parte do requerente pai. Ao mesmo tempo, que chama a atenção do tribunal para a falta de observância de regras processuais nos processos apensos.


Requerimento este que não mereceu a cuidada atenção por parte da meretíssima juiza da causa, como se alcança do despacho de fls. 63.


Através do documento de fls. 67 a 69, a requerida mãe vem, de novo, levantar questões relacionadas com a forma como estavam sendo aplicadas as regras estabelecidas anteriormente, quanto ao regime de contactos entre o menor B... e os seus progenitores.


Teve lugar depois Conferência dos progenitores, na qual não se logrou obter qualquer acordo, razão pela qual foi dado cumprimento ao que manda o artigo 95°, nº 1 do E.A.J.M.


No prazo legalmente estipulado, o requerente veio apenas apresentar o rol de testemunhas, precisando sobre o que deveria depôr cada uma delas. enquanto que a requerida mãe não só produziu alegações, como também apresentou o respectivo rol de testemunhas e ainda requereu as diligências constantes de fls. 84. Com as alegações a requerida mãe avançou com sugestões sobre a forma de se regular o exercício do poder paternal, como se pode verificar do artigo 7, constante de fls. 78 a 81.


Realizou-se novo inquérito social, o qual permitiu obter os elementos constantes do relatório de fls. 90 e 91, que retratam, de forma mais saliente, a situação económica ­financeira e material de ambos os progenitores e, de maneira muito superficial, o modo como está sendo atendido o menor.


De novo, através do requerimento de fls. 95, o requerente veio pretender que o tribunal fixasse regras respeitantes a modalidade de contactos com o seu filho menor B... durante o periodo de férias escolares dos meses de Junho-Julho, avaçando com a proposta de que o aludido menor deveria passar consigo um periodo de 20 dias.


Ao mesmo tempo, veio juntar aos autos não só os documentos de fls. 98 a 101, considerados como quesitos aos quais deveriam responder as testemunhas por si arroladas, como as suas alegações de fls.102 a 122, as quais deram entrada no cartório a 15.06.94, conforme termo de fls. 102.


No que respeita as referidas alegações, importa precisar que elas se mostram intempestivas, atento o facto de que o prazo para a sua apresentação havia terminado a 2 de Maio daquele mesmo ano, tendo por base as disposições conjugadas do artigo 95°, nº 1 do E.A.J.M, do artigo 279º, al. b) C.Civil e do artigo 144°, nº 3 do C.P.Civil.


Por essa razão, que se mostre censurável que a meritíssima juiza da causa não tenha dado cumprimento imediato, ao que a lei determina a esse respeito, o que se traduziria em ordenar o desentranhamento das referidas alegações e a sua entrega a quem as produzira de forma irregular, para além de não se lhes atribuir qualquer relevância jurídica.


Não havia, portanto, lugar ao despacho constante de fls. 132, não só pelos motivos acima indicados, mas também porque já não se tratava da situação a que se refere o disposto pelo artigo 99º, nº 3 do E.A.J.M.


A fls. 133 dos autos o requerente pai veio procurar fazer prova documental do mau rendimento escolar do menor B... no periodo de tempo em que esteve com a requerida mãe, através do mapa de fls 136 e 137.


Por meio do depacho de fls. 154 decidiu-se o regime de contactos entre o menor e os seus progenitores no periodo das férias escolares de Junho e Julho, o que não mereceu a concordância do requerente, conforme documento de f1s. 160. E, novamente, se está em presenca de situação juridicamente irrelevante na medida em que a manifestação de discordância relativamente a decisão tomada por um tribunal se concretiza por via de recurso e não por via de simples reclamação.


Por sua vez, a requerida mãe, a fls. 161 veio requerer a inquirição antecipada por carta, da testemunha C..., indicando-se logo os quesitos sobre os quais deveria ser inquirida o que mereceu despacho favorável conforme se vê de fls. 162. As respostas prestadas encontram-se juntas aos autos fls. 165 e 166.


Inadmissível se mostra a decisão tomada pelo trbunal, no que respeita a produção antecipada da prova referida no parágrafo anterior, por contrária as regras da lei processual sobre esta matéria. O artigo 520º do C.P.Civil admite a produção antecipada de prova, mas sempre se exige que ela seja produzida perante o tribunal devidamente constituido, nos termos do estatuido pelos artigos 646° e seguintes do C.P.Civil. Como tal, que se trate de grave irregularidade processual praticada pelo tribunal.


Teve lugar, de seguida, audiência de discussão e julgamento, na qual se procedeu a inquirição das tetemunhas arroladas pelo requerente e requerida, como se vê das actas de fls. 168 a 178.


A fls. 180 o requerente veio, mais uma vez, procurar demonstrar não haver entendimento entre os progenitores, no respeitante as regras estipuladas quanto à forma de contacto entre o menor B... e os seus pais. Independentemente de qualquer despacho da meritíssima juiza da causa, os autos foram levados com vista ao Digno Curador de Menores, para que emitisse parecer sobre a referida situação o que mereceu o posterior despacho de fls. 184 –vº .


Trata-se de nova irregularidade, que não pode deixar de merecer a devida censura.


Seguidamente, sem que tenha havido qualquer despacho a ordenar a vista ao Ministério Público, a fls. 185, o Digno Curador de Menores emitiu o seu parecer no qual considera ser de manter o actual regime quanto ao exercício do poder paternal, por entender não haver motivos que determinem a sua alteração, e por tal se mostrar mais vantajoso para os interesses do menor B...


No prosseguimento dos autos é proferida a sentença de fls. 190 a 199, na qual se considerou como procedente o pedido e, consequentemente, se procedeu a alteração do exercício do poder paternal relativamente ao menor B... atribuindo-se ao requerente a guarda e cuidados daquele, ao mesmo tempo que se procurou regimentar, de modo exaustivo, o direito reconhecido ao menor, de manter contactos com ambos os progenitores. Mais se fixou o imposto de justiça em 200.000,00 Mts, a pagar em partes iguais pelo requerente e pela requerida.


Notificado da decisão proferida, o requerente veio solicitar, através do seu requerimento de fls. 203, que se clarificassem as alíneas 12, 13 e 18 do regime de contactos estipulado na citada sentença, o que não mereceu qualquer apreciação, tendo em consideração o referido nos despachos de fIs. 230 e 234.


Da sentença fixada nos termos já expostos, a requerida mãe interpôs tempestivamente recurso e cumpriu o demais de lei, para que o mesmo pudesse ter seguimento.


Já nesta instância, através do requerimento de fls. 248 a apelante depois de descrever várias situações, que poriam em causa a justeza e certeza da decisão tomada pe1a primeira instância, requer que, como medida provisória, o menor B... continue com a progenitora até que se efective a reapreciação da causa.


Ao respectivo requerimento juntou relatório de especialista em reabilitação psico1ógica infantil no qual se apresenta o quadro neuro-psico1ógico do menor, em consequência das medidas adoptadas pelo tribunal recorrido, tudo como se pode ver de fls. 251 a 253.


Nas suas alegações de recurso, a apelante vem dizer, em sintese :


- ser nula a sentença da primeira instância pela seguinte ordem de razões:


a) por não se especificarem os fundamentos de facto que conduziram a decisão tomada, tendo-se violado assim o disposto pela al. b), do nº 1 do artigo 668° do C.P.Civil ;


b) por não existirem circunstâncias supervenientes, que pudessem justificar a pedida alteração do que fora regulado por sentença judicial anterior -cfr. artigo 99°, nº 1 do E.A.J.M e al. b), do n° 1 do artigo 668° do C.P.Civil;


c) porque os fundamentos descritos na sentença estão em oposição com a decisão tomada a final - cfr. al. c ), do nº 1 do artigo 668º do C.P.Civil, os quais se resumem do seguinte modo:



- a questão controversa não difere da dos autos 109/92, igualmente suscitada pelo Sr. Vieira, na qual se decidiu manter o exercício do poder paternal com a ora recorrente;


- ambos os progenitores (portanto a mãe inclusivê) estão em boas condições de prover ao menor boa educação e protecção;

- ambos os progenitores ( portanto a mãe inclusivê e ora recorrente) tratam bem o menor, conservando-o 1impo e preocupando-se com os seus estudos;


d) por o tribunal não se ter pronunciado, nem em momento anterior, nem na própria sentença, sobre a questão prévia, por si suscitada, que se prende com a falta de causa de pedir, facto esse que impediria o tribunal de, na sentença, afirmar não existirem questões prévias a decidir, passando a conhecer do fundo da causa - cfr. a1. d), do nº 1 do artigo 668º do C.P.Civil;


- a decidida alteração do exercício do poder paternal relativarnente ao menor B... está nele a determinar :

- uma grande pressão emocional com consequente neurose de inadaptação, afectando-lhe a sua estabilidade sócio-psíquica; e

- um abatimento fisico.

- O menor Sérgio sempre viveu na companhia da apelante e, desde os três anos de idade, passou a estar sob a sua guarda e cuidados ;

- O apelado sempre revelou falta de capacidade de cuidar e educar crianças, o que se pode atestar pela forma como tem cuidado do seu filho D..., fruto de anterior casamento.


- a sentença da primeira instância foi proferida um ano após a realização da audiência de discussão e julgamento, o que constitui flagrante ilegalidade.


Concluindo, considera a apelante ser de anular a sentença recorrida e que o exercício do poder paternal seja regulado nos moldes em que propôs nos autos.


Termina por solicitar, de novo, que sejam adoptadas as medidas provisórias já antes requeridas. Juntou os documentos de fls 266 a 276.


O apelado não contraminutou, embora tivesse sido devidamente notificado para o efeito.


O Excelentissimo Representante do Ministerio Público junto desta instância, no seu visto, não emitiu qualquer parecer de interesse para a causa.


Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.


Iniciando por apreciar a questão incidental levantada pela apelante no seu requerimento de fls. 248 e renovada na parte final das alegações:


A referida questão relaciona-se com o pedido formulado, já nesta instância, pela apelante no sentido de se adoptar, como medida provisória, a manutenção do regime que vigorava antes da decisão proferida pelo tribunal a quo.


A este propósito estabelece o n° 1 do artigo 45° do E.A.J.M que o tribunal de menores pode, em qualquer altura do processo, adoptar, a título provisório, as medidas que podem vir a ser decretadas a final, com excepção das referidas no n° 2 do citado dispositivo legal.


Do indicado preceito legal retira-se claramente que as medidas de carácter provisório, somente podem ser ordenadas por tribunal de primeira instância e até ao momento em que este profira decisão final.


Situação esta perfeitamente compreensível se se tiver em conta que tais medidas revestem natureza cautelar.


Aliás, a nível jurisprudencial, esta constitui já posição assente no Tribunal Supremo.


Por tal razão que tenha de se considerar improcedente a questão prévia levantada pela apelante e, consequentemente, se negue provimento ao referido pedido incidental.


Decidida a questão prévia, estão reunidos assim os pressupostos para apreciar o recurso


Passando agora a analisar as invocadas nulidades da sentença proferida pela primeira instância:


Quanto à falta de especificação dos fundamentos de facto que conduziram a decisão, o que constituiria nulidade de sentença de acordo com o preceituado pela al. b), do n° 1 do artigo 668° do C.P.Civil .


A este respeito importa salientar que a jurisdição de menores, de natureza civel inscreve-se no âmbito da chamada jurisdição voluntária, a qual se rege por princípios e regras processuais especifícos, o que se pode inferir claramente do consignado pelos artigos 1409º e seguintes do C.P.Civil.

E, do artigo 1410º do C.P.Civil resulta evidente que, para efeitos da decisão a tomar, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, o que significa que não tem de obedecer, de forma estrita, ao determinado pelo artigo 659° daquele mesmo Código, no que respeita ao modo de elaboração da sentença.


Embora, no âmbito da jurisdição de menores resulte da lei o princípio acabado de indicar, não significa isso que o tribunal não tenha de enumerar, ainda que minimamente as razões e motivos que conduzam à tomada de uma decisão.


No caso em apreço a própria apelante, nas suas alegações de recurso, enumera os fundamentos usados pelo tribunal a quo para sustentar a decisão que tomou, conforme se pode verificar de fls. 260.


De facto, na sentença de fls. 190 a 199 descrevem-se elementos, os quais foram retirados da prova produzida nos autos, com o objectivo de fundamentar a decisão proferida.


Havendo uma descrição, embora sintéctica, dos fundamentos de facto que conduziram à formação da convicção do julgador, não se pode invocar falta de especificação dos citados fundamentos, pelo que se tenha de considerar improcedente a invocada nulidade de sentença.


Quanto à invocada oposição entre os fundamentos de facto descritos na sentença e o decidido à final, o que constituiria nulidade de sentença, nos termos do disposto pela al. c), do nº 1 do artigo 668° do C.P.Civil:


De facto da sentença de fls. 190 a 199, pode verificar-se que a meritíssima juíza da causa, a dado passo da descrição da matéria de facto, diz que:" A questão controversa entre os requeridos não difere daquela que motivou o pedido da primeira alteração do poder paternal." Mais à frente vem acrescentar que: "Na verdade pelo que dos autos se apura, ambos os progenitores estão em condições de prover ao menor boa educação e protecção”, e depois refere também que “prova também existe de que ambos progenitores tratam bem o menor conservando-o limpo e preocupando-se com os seus estudos".


Por outro lado afirma-se ainda na sentença o seguinte: “Todavia da prova produzida nos autos, resulta demonstrado que em algumas ocasiões nem sempre é necessária a intervenção do tribunal de menores para sanar qualquer conflito que se gera entre os requeridos na aplicação dos termos da douta sentença" para mais adiante se acrescentar:” Pelos conflitos que surgem entre os pais do menor e para a estabilidade sócio-­psíquica e o desenvolvimento harmonioso da criança, mostra-se inadequado e mesmo contraproducente que o menor continue a viver na companhia da requerida mãe, havendo por isso necessidade de alterar o exercício do poder paternal em função do preconizado no nº 1 do artigo 1902° do C.Civil e do nº 1 do artigo 97° do E.A.J.M.”.


Dos excertos mais salientes, que acabam de se descrever, torna-se manifesto o desajuste entre o que se dá como provado e a conclusão tirada a final.


Na verdade, tendo por base o que o tribunal a quo deixou referenciado em primeiro lugar, na sentença, nunca poderia a decisão a tomar ser a que veio a ser proferida a final.


Se se dá por assente que a questão controvertida é idêntica a que ditara uma anterior decisão; se se considera como provado que os progenitores apresentam iguais condições de atendimento, acompanhamento e tratamento do menor, significa isso que não se mostra existir qualquer alteração nos cuidados e na atenção dispensada pela apelante, em relação ao seu filho menor, razão pela qual não poderia ser proferida sentença, nos moldes em que o foi, com base nos fundamentos de facto especificados a fIs. 194-vs a 196.


Por tal motivo, que se tenha de concluir que se está perante caso em que se verifica existir desconformidade entre o que foi especificado, como fundamentos de facto, e o que se veio a decidir, à final. Desconformidade esta que se traduz, no fim de contas, em forma viciada de construir a sentença.


A esse mesmo propósito, considera o Prof. Alberto dos Reis : «No caso considerado no n° 3 do artigo 668º do C.P.Civil a contradição não é apenas aparente, é real; o juiz escreveu o que queria escrever; o que sucede é que a construção da sentença é viciosa pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam lògicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto.» - em Código de Processo Civil anotado, Volume V, págs. 141- Coimbra Editora, 1984.


Na verdade, é evidente que o juiz da causa, na sentença de fls.190 a 199 escreveu aquilo que queria escrever, porém o que descreveu para sustentar a convicção da sua decisão, não se ajusta ao decidido.


Daí que se verifique contradição entre os fundamentos e a decisão.


Ao mesmo tempo, está-se também em presença de situação em que o tribunal a quo tira uma conc1usão final sem que antes houvesse descrito fundamentos que a pudesse secundar. Para além de nem sequer haver elementos mínimos de prova que permitissem chegar a tal decisão.


Consequentemente, que se verifique a existência de nulidade de sentença nos termos do preceituado pelas als b) e c), do n° 1 do artigo 668° do C.P.Civil.


Procede, deste modo, o alegado pela apelante.


Relativamente ao facto do tribunal da primeira instância não se ter pronunciado, quer em momento anterior, quer na própria sentença sobre a questão prévia levantada pela apelante, que se relacionava com a falta de causa de pedir na presente acção, o que impediria que se tivesse conhecido do fundo da causa e que conduz igualmente, a existência de nulidade da sentença, de acordo com o disposto pela al. d), do n° 1 do artigo 668° do C.P.Civil.


Como se pode alcançar do requerimento de fls. 12 a 15 dos autos, logo no inicio da lide, a ora apelante veio dizer que, no caso em apreço, não se mostravam verificadas circunstâncias supervenientes, que pudessem justificar a requerida alteração do exercício do poder paternal, o que teria de conduzir ao indeferimento imediato do pedido, de acordo com o estatuido pela al c), do nº 1 do artigo 447° do C.P.Civil.


A arguição deste facto obrigaria a que o tribunal da primeira instância devesse ter procedido a exame prévio, como manda o n° 4 do artigo 99° do E.A.J.M. decidindo a questão, de imediato, caso estivessem reunidas as necessárias condições .


Quando não estivesse habilitado a pronunciar-se naquela fase processual sempre teria de dar resposta ao invocado pela requerida mãe, ora apelante, na altura em que foi proferida a sentença, de acordo com o que preceituam as disposições conjugadas dos artigos 659°, n° 1 e 660°, n° 1, ambos do C.P.Civil, aplicáveis subsidiàriamente e com as devidas adaptações.


Ao desrespeitar tal procedimento, imposto pela lei, o tribunal deixou de se pronunciar sobre questão que se lhe impunha apreciar, o que determina, novamente, a existência de nulidade de sentença, conforme o disposto pela al. d), do n° 1 do artigo 668° do C.P.Civil.


Procede, como tal, o invocado pela apelante.


Conhecendo agora da alegada inexistência de circunstâncias supervenientes que pudessem justificar a alteração do exercício do poder paternal:


No pedido inicial, formulado pelo recorrido a fls.2 a 10 dos presentes autos, a requerida alteração do exercício do poder paternal teve essencialmente por fundamento o incumprimento, por parte da recorrente de regras relativas ao regime de contactos do menor Sérgio com o seu progenitor.


Durante o desenvolvimento da lide, em vários momentos, voltou a sobressair a existência de desentendimentos entre recorrido e recorrente no respeitante a esta mesma questão, o que conduziu o tribunal da primeira instância a proferir, inclusivê decisões sobre essa matéria.


Da prova recolhida nos autos, em nenhum momento se deixou demonstrado, que se tenha verificado qualquer alteração, no que concerne as qualidades de atendimento e acompanhamento do menor B..., por parte de quem o tinha à sua guarda e cuidados, ou seja, a recorrente, como aliás se verifica designadamente do último inquérito social realizado e dos depoimentos prestados pelos declarantes e testemunhas arroladas por ambos os progenitores.


Na própria sentença se dá como provado, o que acaba de se referir, quando se diz, a fls. 184-vº, 185 e 185-vº: “A questão controversa entre os requeridos não difere daquela que motivou o pedido da primeira alteração do poder paternal”, “Na verdade, pelo que dos autos se apura, ambos os progenitores estão em condições de prover ao menor boa educação e protecção” e “prova também existe de que ambos os progenitores tratam bem o menor, conservando-o limpo e preocupando-se com os seus estudos”.


Por outro lado, o alcance do princípio estabelecido no n° 1 do artigo 99º do E.A.J.M. não pode ser interpretado à letra da lei nem de modo restritivo. O legislador ao usar a expressão “quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos...” quiz considerar como pressuposto do pedido de alteração da regulação do exercício do poder paternal as situações que se relacionam com a defesa e salvaguarda dos interesses do menor, nomeadamente com o modo de atendimento, de acompanhamento, de guarda, de protecção, de educação e desenvolvimento da criança.


É evidente que, para se poder alcançar um desenvolvimento são e harmonioso da criança, se impõe que ela possa manter contactos regulares com ambos os progenitores. Decorre daqui que a manutenção de contactos com os progenitores constitui elemento integrante do próprio desenvolvimento do menor.


Direito esse que, aliás, se mostra devidamente consagrado no n° 3 do artigo 9 da Convenção Sobre os Direitos da Criança, ao dizer-se que: “Os Estados Partes respeitarão o direito da criança separada de um ou de ambos os pais de manter regularmente relações pessoais e contactos directos com ambos, a menos que tal seja contrário ao interesse superior da criança”.


Mas de modo algum, com o princípio consignado no artigo 99° do E.A.J.M. terá sido intenção do legislador dar cobertura e tutela a casos de questiúnculas e atritos surgidos entre os progenitores em relação a questões demasiado específicas, atinentes ao modo de entender o cumprimento de cláusulas do regime de contacto com um menor .


O que a lei pretende, com o pressuposto consagrado no n° 1 do artigo 99º do E.A.J.M., é tão só salvaguardar situações em que não se dê cumprimento ao que se tenha decidido relativamente a guarda, defesa, protecção e desenvolvimento do menor, pondo-se assim em risco o seu crecimento são e harmonioso.


Não é esta a situação que se verifica no caso dos autos pois deles não se alcança que tenha havido incumprimento do decidido sobre o regime de guarda, protecção, acompanhamento, atendimento e desenvolvimento do menor B..., por parte da sua progenitora, incluindo quanto ao direito do menor ter contactos regulares e pessoais com ambos os pais.


O menor B... sempre tem vindo a manter, de forma regular contactos com ambos os progenitores. Isto mesmo ficou demonstrado durante o desenvolvimento da presente lide, como acima se deixou descrito.


De facto, os problemas surgidos entre os progenitores respeitam somente a forma como, por cada um deles, são entendidas algumas das regras relativas ao regime de contacto entre o menor B... e os seus pais.

Tal desentendimento nunca chegou ao ponto de obstaculizar, de forma permanente, a manutenção de contactos entre o menor e ambos os pais.

Consequentemente, que se tenha de concluir pela inexistência de pressupostos, que pudessem justificar a pretendida alteração da regulação do exercício do poder paternal e, deste modo, se deva considerar procedente o alegado pela apelante.


Por último, importa ainda censurar a forma como a apelante, em diversos momentos, se dirigiu ao tribunal. Tanto aos magistrados, como as partes impõe-se-lhes que usem da devida urbanidade e respeito nos actos em que intervêm. Inadmissível se mostra, por isso, que em peças processuais se use expressões, tais como: que o magistrado decidiu por «temor reverencial»; «O comportamento marcado pelo temor reverencial do Tribunal de Menores, caracteriza-se por falta de firmeza ...»; que no magistrado «Há o manifesto acinte e a mensagem de vingança dissimulada...»; que o magistrado revela « inaptidão para o exercício da magistratura »; e ainda «Tal actuação, Exma Sra Juiza, não só será de justiça, como comprovará a isenção da magistratura e a sua vertica1idade, desmentindo as acusações que cada vez mais lhe vêm sendo feitas sobre o facto de estar hipotecada a um partido político e aos seus quadros superiores».


Nestes termos e pelo exposto, julgando como procedente o recurso interposto pela apelante, declaram nula e de nenhum efeito legal a sentença da primeira instância, pelas razões e fundamentos já descritos.


E, usando da faculdade estabelecida pelo artº 715º do C.P.Civil, atento o facto de não se acharem reunidos os pressupostos, que puderam determinar a alteração da regulação do exercício do poder paternal em relação ao menor B..., julgam improcedente o pedido formulado pelo apelado, mantendo-se, para todos os legais efeitos, a decisão judicial anteriormente proferida sobre esta matéria.


Custas pela recorrente no que respeita sòmente ao incidente em que decaiu, tirando-se, para tal, o imposto em 40.000,00 Mts.




Maputo, 24 de Abril de 1996

Ass: Filipe Sacramento e Afonso Armindo Fortes