Mozambique: Tribunal Supremo

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[1993] MZTS 1
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Processo nº 72/89 - 2ª em relacao a Co-autoria, Desvio de bens do Estado (Processo nº 72/89 - 2ª) [1993] MZTS 1 (16 September 1993)
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Processo nº 72/89 – 2ª
Co-autoria
Desvio de bens do Estado
Sumário:
Esta-se perante uma situação de Co-Autoria criminosa, previsto no artº 20º nº 3 , do CP, sempre que se demonstrar claramente ter havido consertação entre os réus no sentido de criarem condições para mais facilmente, poderem desenvolver uma actividade ilícita.
Comete o crime de desvio de bens do Estado, previsto e punido pelo artº 1º nº 1, alínea d) da Lei nº 1/79, aquele que conscientemente utilizar, de forma iligítima, em proveito próprio ou em benefício de terceiros produtos pertecentes ao Estado
Acordam em conferência na 2ª Secção Criminal do Tribunal Supremo:
A, casado, de 38 anos de idade, ex-chefe do gabinete do Governador da Provincia da Zambézia, filho de B e de C, natural de Quelimane.
D, casado, de 28 anos de idade, ex-secretário de relações públicas do Governo Provincial da Zambézia, filho de E e de F, natural de Mopeia, e
G, casado, de 39 anos de idade, terceiro escriturário exercendo funções de auxiliar de protocolo e responsável do economato do Governo Provincial da Zambézia, filho de H e de I, natural de Alto Molócue;
Foram julgados na Secção Criminal do Tribunal Judicial da Provincia da Zambézia, tendo o Réu A sido condenado na pena unitária de nove anos e dois meses de prisão maior, sendo as penas parcelares de 8 anos e 6 meses de prisão e dois anos e seis meses de prisão maior, pelo cometimento dos crimes de desvio de bens do Estado, p. e p. pela alínea d) do nº 1 do artº 1º da Lei nº 1/79, e de falsificação, p.e p. pelo artº 218º do C. Penal, respectivamente, com referência à alínea a), do artº 2º da Lei nº 5/83;
O réu D foi condenado na pena unitária de oito anos e seis meses de prisão maior, sendo as penas parcelares de oito anos de prisão maior e de dois anos de prisão maior pelo cometimento dos crimes de desvio de bens do Estado, p. e p. pela alínea d) do nº 1 do artº 1º da Lei nº 1/79, e de falsificação, p. e p. pelo artº 218º do C. Penal, respectivamente, com referência à alínea a) do artº 2º da Lei nº 5/83;
O réu G foi condenado na pena de seis anos e seis meses de prisão maior pelo cometimento do crime de desvio de bens do Estado. p. e p. pela alínea d) do nº 1 do artº 1º da Lei nº 1/79.
Mais foram condenados os RR no pagamento solidário de 454.263,40 Mt de indemnização a favor do ofendido, o Governo da Provincia da Zambézia, para além do imposto de justiça, emolumentos aos defensores oficiosos e chicotadas, ao abrigo da Lei nº 05/83, então em vigor.
Inconformados com a decisão condenatória todos os réus interpuseram compentente recurso que, uma vez admitido, seguiu os seus trâmites legais.
Naquilo que nos parece de maior relevo, afirmam em síntese os RR A e D, nas suas alegações; o seguinte:
Que ambos os Réus acumulavam as suas funções de chefe de Gabinete e de Secretário das Relações Públicas com as de responsáveis de economato do Governo Provincial da Zambézia;
Que tal acumulação de funções nunca permitiu aos RR se dedissem em tempo integral à direcção do economato, daí que as cahves deste sector se encontrassem distribuidas por três pessoas, nomeadamente o co-réu D, o co-réu G e ainda a trabalhadora J, que não é ré nos presentes autos;
Que a prática ali existente de haver chaves distribuidas por mais de uma pessoa já vem de há longa data;
Que o economato funciona em moldes rudimentares, ou seja, sem contabilidade, sem fiscalização nem controlo rigiroso da entrada e saida dos produtos, o que acontecia desde a criação do economato
Que aos RR foram atribuidas funções de responsáveis do economato, a que eles procuraram responder da melhor forma que podiam e dentro das suas limitações, nunca alcançando que sistema diferente de trabalho pudesse ser utilizado.
Que o estilo de trabalho praticado era apenas o de atender ordens, não obstante a ausência de autoridade directa e pessoal.
Que não desviaram quaisquer produtos do economato, seja em benefício próprio, seja em benefício de terceiros;
Que na audiência de julgamento não ficou provado o desvio de bens referidos na sentença, mas sim o extravio de um número não determinado de garrafas de bebidas aquando de seu desembarque no cais;
Que os factos dados como provados pelo tribunal no decurso da produção de prova foram a desorganização contabilística e a ausênça de direcção do economato, questões que se acham previstas no artº 13 da Lei de Defesa da Economia;
Que a determinação da importância de 454-263,40 Mt que a sentença imputa aos RR, cada um na sua totalidade, dando como provado terem os RR. desviado produtos no valor equivalente, funda-se tão-somente no inventário efectuado pela brigada do Comércio Interno, que é duvidoso pela sua inexactidão e imprecisão, o que foi contestado pelos RR;
Que os RR foram condenados pelo desvio em causa, apenas pela responsabilidade que tinham na gestão do economato;
Que a jurisprudência referida na sentença, como fundamento da aplicação do regime de responsabilização pela totalidade dos produtos desviados, diz respeito somente a crimes comprovadamente realizados em concertação, não se aplicando portanto ao presente caso;
Que a fls. 170 e 172 dos autos, constam documentos gravemente desabonatórios quanto à personalidade dos RR, não tendo estes tido a oportunidade de se manifestarem sobre os mesmos, uma vez que não foram notificados da sua junção. Assim, não restam dúvidas que tais documentos influenciaram a sentença em prejuizo dos RR;
Concluem os RR afirmando que as irregularidades por si cometidas no desempenho das funções de responsáveis do economato, integram o previsto na Lei da Defesa da Economia, e o facto de se fazer constar da sentença como provados, factos não provados, na produção da prova, constitui fundamento da nulidade da sentença.
Mais afirmam os RR que a inclusão nos autos de documentos desabonatórios à sua integridade, fora de uma fase processual, sem que deles os RR tenham sido notificados por forma a poderem pronunciar-se sobre eles na sua defesa, constitui igualmente nulidade de sentença pelo que requerem que essa nulidade seja declarada e ordenada a realização de novo julgamento.
Já o Réu G, nas suas alegações, refere em síntese:
Que nunca teve qualquer intenção de ocultar as bebidas que o R. A recomendara fossem guardadas em lugar pouco acessível a muita gente, bebidas essas que se destinavam a festejos;
Que quer durante a intrução preparatória quer na audiência de julgamento, ficou provado não ter o R. ocultado qualquer aspecto que a auditoria pretendeu apurar:
Que não se prova que o R. Tivesse participado directamente no desvio de bebidas dadas como desaparecidas no cais;
Que mesmo que tivesse havido ocultação por parte do R. à auditoria durante o processo de inventariação das bebidas, a pena a aplicar não poderia ser de seis anos como sucede;
Que, de facto, a pena é pesada e o R. acha-se inocente, tanto mais que a estrutura da culpa penal não foi objecto de promenorizado estudo e ponderação com vista ao apuramento da verdade material dos factos;
Que, ao contrário do que aconteceu com os outros dois RR, em relação aos quais foram fixadas as quantidades desviadas e indicadas o seu valor monetário, ao R. Não foi indicada qual a quantidade de bebidas que desviou, se é que desviou alguma coisa;
Que a pena aplicada ao R. deve ser reduzida ou mesmo anulada.
E termina pedindo a sua absolvição.
Nas suas contra-alegações, o Exmo. Delegado do Procurador da República junto do Tribunal de 1ª instância oferece o merecimento dos autos, referindo ter a sua inteira concordância a decisão ora recorrida.
Por sua vez, o Mmº Juiz do Tribunal “a quo” refere, em síntese, no seu despacho de interpretação da sentença, ora em recurso, o seguinte (fls. 239 a 241):
Que a acumulação de funções não constitui justificação do ilícito praticado, porquanto havia pessoas afectas ao Economato que os RR nunca ousaram orientar no sentido de organizar o sector, pois se assim o fizessem estariam os RR impedidos de se movimentar livremente no levantamento de produtos;
Que em relação à dispersão das chaves para acudir as visitas e recepções inesperadas, entende que todas as visitas são prèviamente planificadas, tal como as recepções e qualquer dos RR delas tomava conhecimento por serem elementos ligados a tais acontecimentos;
Que, por outro lado, se havia uma governanta no Economato, por que razão o não lhe eram confiadas todas as chaves?
Que, se bem que com L houvesse já um certo estilo de trabalho, com a mudança de direcção da província aquele método ficou ultrapassado;
Que a afirmação negando o desvio de produtos contradiz as respostas dadas pelos RR quer durante a instrução do processo, quer durante a audiência de julgamento, bem como a prova testemunhal produzida;
Que o inventário foi feito com base em documento fornecidos pelo Gabinete do Governador da Província na pessoa do R. A e presenciado pelo R. G;
Que, além disso, o R. D fez um invetário físico que serviu de base à Comissão;
Que no interesse exclusivo da Defesa, foram nomeados peritos para se pronunciarem sobre a auditoria realizada e os mesmos concluiram pela exactidão da auditoria;
Que os ditos documentos desabonatórios, conforme se pode constatar da sentença, em nada influenciaram a condenação;
Que os RR tiveram que ser transferidos do estabelecimento prisional por comportamento menos correcto e por receio de evasão, de que já havia indícios e tendência manifestados anteriormente;
Que não pode ser aplicada aos autos a Lei de Defesa da Economia, uma vez que para além da desorganização houve desvios de bens, aliado à falsificação de documentos, premeditados e provada.
O Exmo. Procurador da República, a fls. 262, refere entender não ter havido por parte do tribunal “a quo” a nomeação de uma Comissão para efeitos de peritagem contabilística. Todavia, reconhece não existir interesse de maior na designação de tal comissão, que pouco mais acrescentaria ao trabalho efectuado atendendo à desorganização total e completa que a “contabilidade” do Economato apresentava, e como tal, se deverá considerar suficiente peritagem efectuada nos autos.
Mais entende aquele Alto Magistrado não procederem as agravantes 1º (premeditação), 7ª (pacto por duas ou mais pessoas) e 17ª (crime cometido em repartição pública), todas do artº 34º do C. Penal, por não ter existido o requisito legal previsto. Destaca que para haver premeditação é necessário que o desígnio criminoso seja formado pelo menos 24 horas antes da acção criminosa.
Nestes termos, conclui o Digno Representande do Mº Pº junto deste tribunal superior que a sentença deve ser confirmada quanto aos RR. A e D e que a pena aplicada ao R. G deve ser reduzida para cinco (5) anos de prisão, sem contudo indicar porquê.
Colhido os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir:
Antes de mais, cumpre-nos esclarecer que os documentos de fls. 249 e 257 não poderão ser conhecidos por este tribunal, porquanto os mesmos contêm matéria de alegações, o que é extemporâneo dado que estas já antes haviam sido apresentadas. Sendo estas “novas alegações” feitas fora do prazo legal, para além de conterem matéria de execução de penas que não compete ao tribunal apreciar, serão por isso ignoradas por este tribunal.
Comecemos por apreciar uma questão que é apresentada por todos os recorrentes e que se situa no facto de eles não se conformarem com a sentença ora em recurso, por a mesma ter decidido imputar aos três RR, em idêntica quantidade o valor dos produtos substraídos.
Sob o ponto de vista dos recorrentes, o tribunal da 1ª instância deveria ter estabelecido em concreto a exacta responsabilidade de cada um dos RR, apresentando as quantidades e valores efectivamente subtraídos. Apreciando:
Da conduta dos autos verifica-se que, nas suas respostas de fls. 47, o R. A afirma “Que a nível dos trabalhadores do Gabinete do Governo, não há nenhum com benefício de consumir os produtos do Economato. Que ele, arguido reconhece ter-se beneficiado por várias vezes dos produtos do Economato, na medida em que tais produtos lhe eram oferecidos pelo D e G, pessoas responsáveis pelo levantamento e distribuição dos produtos”. E mais adiante: “Que dos produtos oferecidos, destacam-se os seguintes: bebidas, arroz, açúcar, carne e outros que de momento não se recorda”
O mesmo R. A afirma nas suas respostas de fls. 48 o seguinte:
“Que o arguido não pode precisar quantas vezes pedia ao Senhor Jorge, ou outra pessoa ligada ao economato, as chaves para tirar aquilo que fosse do seu interesse, além de que outras vezes era trazido sem que tivesse solicitado” – fim da citação.
O R. G, nas suas respostas de fls. 86. refere concretamento que guardava as bebidas num lugar reservado do Economato obedecendo às ordens do R. A, e que este havia dito que porque entrava muita gente no Economato, bom seria que as bebidas fossem guardadas num lugar onde não fossem acessíveis a muita gente, com o fim de poderem aguentar até às festas do fim-do-ano.
Continuando ainda nas respostas do R. G de fls 86 e a propósito da pergunta sobre a finalidade das bebidas e géneros alimentícios do Economato, o R. Respondeu “a finalidade era de servir às visitas oficiais do Governo, bem como o respectivo Palácio do Governador”.
Mais adiante diz o R. G, ainda a fls. 86, que não sabe explicar qual a razão por que algumas bebidas e géneros alimentícios foram dados a alguns responsáveis, pois quem dava ordens para o fornecimento eram os senhores A e D.
De relevo são também as respostas do R. D a fls. 28, em que diz: “Que como se pode verificar, com esta saída de produtos para pessoas que não estavam contempladas no Economato e sem nunhum documento justificativo, o arguido assim como os seus companheiros arranjavam meios de poder justificar isto preenchendo requisições que às vezes não correspondiam à própria realidade, ou até acrestando o número nas requisições”.
Os factos acima reportados são suficientemente reveladores, indicando-nos que os três RR tinham plena consciência de quais as entidades que poderiam beneficiar dos produtos existentes no Economato, e que em consequência o forneciemento fora de tais princípios era ilegal.
Mais ainda, o facto de os três RR receberem para seu consumo pessoal produtos a que não tinham direito; o facto de ilegalmente fornecerem produtos a terceiros, aliado à circunstância de chegarem ao ponto de elaborarem requisições que não correspondiam à realidade, demonstra claramente ter havido concertação entre os três no sentido de criarem condições para, mais facilmente, poderem desenvolver a sua actividade ilícita.
Ou seja, com conhecimento recíproco, os três enquadraram, de facto um método conjunto para poderem retirar, sempre que quisessem, produtos do economato do Governo da Provincia, para seu benefício pessoal e para benefício de terceiros, sem que mais tarde pudessem individualizar “o quantum” desviado.
Estes factos encontram-se transparentemente contidos na acusação, acusação esta que indicia os RR pela prática do mesmo crime e que foi recebida na íntegra pelo Mmº Juiz “a quo”.
Assim sendo, dúvidas parece não poderem subsistir no sentido de considerarmos estarmos perante uma situação de co-autoria criminosa, integrando o disposto no nº 3 do artº 20º do Código Penal.
Posto isto, apreciemos a restante matéria:
Dá-se como provado que os RR A, D e G, com os demais sinais acima descritos, à data dos factos eram trabalhadores do Gabinete do Governo da Província da Zambézia, onde exerciam respectivamente as funções de Director do Gabinete do Governador, Secretário das Relações Públicas e Auxiliar de Protocolo.
Ao mesmo tempo, o R. A acumulava as funções de responsável do Economato do Governo e, como seus subordinados, mas também responsáveis, tinha os restantes RR, que igualmente acumulavam funções, bem como a governanta de nome J.
Porque, em Setembro de 1983, o R. D houvesse procedido, por orientação superior, ao inventário do referido Economato, e coincidindo que na mesma ocasião uma brigada da Direcção Provincial do Comério Interno efectuava trabalho idêntico, constatou-se que os resultados obtidos não coincidiam, pelo que foi ordenada uma auditoria relativa ao periodo que ia de Junho a Agosto de 1983.
Como resultado da auditoria efectuada, apurou-se que o Economato do Governo havia adquirido produtos vários e de diversa natureza (bebidas, géneros alimentícios, artigos de cozinha, calçado, etc.), artigos esses que perfaziam um montante global de um milhão, sete mil e duzentos meticais e oitenta centavos, montante este que se encontra discriminado nos mapas constantes da pasta nº 1, apensa aos presentes autos, nomeadamente a fls. 52 a 58.
Paralelamente, o Economato deveria ter recebido bedidas de diverso tipo no montante de quinhentos e trinta e sete mil, setecentos e setenta e sete meticais e quarenta centavos, conforme discrimina o documento de fls. 2 da pasta nº 4, também apensa aos presentes autos, bem como o relatório constante da mesma pasta, relativo a bebidas recebidas da Tradimex – e tudo isto também em conformidade com o apurado pela auditoria.
Mais apurou a auditoria que produtos alimentares no valor de duzentos e sessenta e dois mil, seiscentos e noventa e quatro meticais e quarenta centavos, bebidas no valor de cento e oitenta e cinco mil, quinhentos e sessenta e nove meticais e cinquenta centavos, e utencílios diversos no valor de cinco mil, novecentos e noventa e nove meticais e cinquenta centavos, haviam tido destino não conhecido nem justificado.
A discriminação daqueles produtos em falta, encontra-se contida no relatório de fls. 1 a 9 da pasta nº 1, a fls. 52 da mesma pasta e no relatório sobre bebidas, constante da pasta nº 6, todos apensos aos presentes autos, perfazendo o montante global de quatrocentos e cinquenta e quatro mil duzentos e sessenta e três meticais e quarenta centavos, conforme relatório final de fls. 78 a 82 destes autos.
A auditoria realizada foi objecto de uma verificação e controlo por parte de uma comissão para o efeito designada, a qual a fls. 185 dos autos, ratificou o relatório da auditoria.
Na sequência dos resultados indicados pela comissão de auditoria, o R. D veio a ser detido.
Nas suas respostas de fls. 19 a 30, este R. relatou com elevado detalhe o que se passava.
Assim, o R. D relata e confessa que efectivamente eram fornecidos diversos produtos do Economato do Governo a entidades que deles não deveriam beneficiar, bem como que também os próprios RR beneficiavam indevidamente de tais produtos, isto sem qualquer documento justificativo, acrescentando que, quando necessário, o R. e seus colegas forjavam documentos (requisições) que não correspondiam à realidade.
Ou seja, o R. D reconhece a existência de fornecimentos abusivos praticados pelos três RR, aponta o envolvimento dos três RR no processo de desvio e aceita ter forjado documentos justificativos para certos fornecimentos não autorizados.
O R. D elaborou uma relação, constante de fls. 10 da pasta nº 4 apensa aos presentes autos, na qual indica as bebidas enviadas pela Tradimex ao Economato do Governo Provincial e que terão sido desviadas durante o percurso de barco de Maputo para Quelimane. À verdade, porém, é que dos autos e nas pastas apensas nada consta que indique a este tribunal ter havido qualquer iniciativa no sentido de, junto da Alfândega, se provar tal facto, acção essa que, no caso vertente, competiria ao R. D, uma vez que tinha conhecimento da hipotética falta.
Pelo contrário, o relatório sobre bebidas recebidas, constante da pasta nº 6 apensa aos autos, refere concretamente que do processo de desambaraço não consta a existência de carga em falta.
Deste modo, não existe prova que possa proteger a posição do R. D e que leve este tribunal a considerar ter de facto existido desvio de carga (bebidas) a bordo e no trajecto Maputo/Quelimane.
Na instrução preparatória o R. A, a fls. 46 a 54, reconhece e confessa ter beneficiado por diversas vezes de produtos do Economato, não podendo indicar valores e quantidades, e esclarecendo que muitas vezes tais produtos lhe eram oferecidos pelos outros dois RR.
O mesmo R. A entregou cópias de requisições feitas pelo Gabinete do Governador, relativas ao periodo de Junho a Agosto de 1983 e que se encontram a fls. 112 a 119 da pasta nº 1 apensa aos autos, as quais são falsas, porquanto as verdadeiras encontram-se na mesma pasta a fls. 92 e segts.
O R. A reconhece que havia sido informado do descaminho de bebidas vindas de Maputo, mas que nada fez (fls. 53), justificação essa que, pelas razões anteriormente apresentadas não pode ser aceite como verídica provada por este tribunal relativamente às faltas de bebidas constatadas.
O mesmo R. afirma que requisitou 72 Kgs de camarão para serem oferecidos a Sua Excia. o Vice-Ministro da Defesa Nacional e chefe do Estado Maior General e que tal oferta se verificou em Julho de 1983.
Acontece, porém que conforme o documento de fls. 46 da pasta nº 1 apensa aos autos, aquela entidade não visitou a provincia da Zambézia nessa ocasião.
Verifica-se sim, que 27 de Agosto de 1983 foram oferecidos 12 Kgs de camarão àquele responsável, o que vem atestado no documento de fls. 85 da pasta nº 1 – facto que contradiz frontalmente a afirmação do R. A quer quanto a datas quer quanto a quantidades.
Fica suficientemente provado nos autos que não procedem as alegações dos RR e de L, de que os responsáveis provinciais tinham autoridade sobre os RR e a eles davam ordens que estes cumpriam. Na verdade as respostas dos directores provinciais constantes dos autos, refutam totalmente tais métodos de trabalho aplicados pelos RR.
A prova documental produzida não nos deixa suficientemente esclarecidos sobre se efectivamente terá ou não existido desvio de 40 Kgs de camarão destinado às deslocações de delegações militares moçambicanas ao Malawi, assim como se terá igualmente havido erro, digo, desvio de 14 Kgs de camarão destinados à delegação Malawiana, pelo que, dentro do princípio do benefício da dúvida, este tribunal dá como não provado esse desvio e retira o montante de doze mil, cento e cinquenta meticais (12.150,00 Mt), do valor global em falta.
Dúvidas não restam quanto á participação do R. G no esquema urdido pelos três RR, não só pelos factos referidos pelos dois co-RR, mas também porque ele próprio reconhece ter efectuado entregas ilegais e abusivas de produtos e, inclusive, ter escondido algumas bebidas à comissão de auditoria (fls. 24 e 25 da pasta nº 4).
Em suma, fica provado que os RR conscientemente utilizaram, em proveito próprio e em benefício de terceiros, produtos pertencentes ao Economato do Governo da Provincia sabendo que tal utilização era ilegítima.
Efectivamente, os RR não conseguem eles próprios apontar quais as quantidades que utilizaram singularmente, bem como não conseguem justificar o paradeiro dos produtos em falta.
Por tudo quanto acima fica exposto, considera-se provado o cometimento do crime de falsificação pelos RR. A e D, crime p. e p. artº 218º do C. Penal, referido na sentença da 1ª instância.
NESTES TERMOS, decidem confirmar a sentença decretada pelo tribunal da 1ª instância, considerando, porém, como não procedentes as agravantes 1ª (premeditação) e 17ª (crime cometido em repartição pública), todas do art. 34º do C. Penal, referidas na dita sentença.
Considerando, ainda que o grau de responsabilidade criminal do réu G se provou ser muito inferior à dos outros co-réus, mais decidem alterar a sua condenação, punindo-o com a pena de 5 (cinco) anos de prisão maior.
Tendo em conta, finalmente, que todos os réus beneficiam dos perdões instituidos pelas Leis nºs 7/83, de 25 de Dezembro, 6/87, de 30 de Janeiro e 3/89, de 19 de Julho, declara-se extinta a pena a que todos os réus foram condenados.
Custas pelos recorrentes, com 50 mil meticais de imposto de justiça nesta instância.
Maputo, 16 de Setembro de 1993
Ass: João Luís Victorino Júnior e João Carlos Trindade