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Proc. 57/89-1ª em relacao a Nulidade de sentença (Proc. 57/89-1ª) [1992] MZTS 2 (20 November 1992)

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Proc. 57/89-1ª


Nulidade de sentença

Homicídio voluntário

Atenuante do bom comportamento anterior



Sumário:


  1. É nulo o acórdão, que aplique pena inexistente no sistema penal vigente porque viola o princípio “nulla poena sine lege”; nos termos do art. 668º nº 1, alínea e) C. P. Civil, aplicável por força do § único do art. 1º C. P. Penal;

  2. Comete o crime de homicídio voluntário simples previsto e punido pelo art. 349º C. Penal aquele que apertando o pescoço da vítima veio causar-lhe a morte em consequência da asfixia;

  3. Para se dar como provada a circunstância do bom comportamento do réu é necessário demonstrar que este tinha um comportamento anterior melhor que o comum dos indivíduos em idênticas condições de vida, idade e cultura colocados em idênticas condições de criminalidade.

Acórdão


Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal Supremo:


A, à data dos factos solteiro, de 28 anos de idade, camponês, filho de B e de C, natural e residente, antes de preso em Matsemane – Distrito de Panda, Provincia de Inhambane, foi julgado pelo Tribunal Provincial de Inhambane e condenado na pena de 14 (catorze) anos de prisão maior, 5 (cinco) meses de multa à taxa diária de 35,00 Mt (trinta e cinco meticais) por haver sido considerado autor do crime de homicídio voluntário simples p. e p. pelo artigo 349º do Código Penal.


Por imposição legal, nos termos do § único do artigo 473º do Código de Processo Penal, o Digno Agente do Ministério Público junto do Tribunal de 1ª instância interpôs o presente recurso, pedindo a confirmação da sentença por nela ter sido feito criteriosa apreciação dos factos e correcta aplicação da Lei.


Nesta instância, o ilustre Representante do Ministério Público junto do então Tribunal Superior de Recurso firmou o termo de desistência a fls. 80, termo esse que por acórdão (fls. 87) veio a ser declarado improcedente face à ilegitimidade do desistente e à não validade do objecto da desistência.


Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:


Antes, porém, de apreciar o fundo da causa há que analisar uma questão suscitada pelo acórdão ora em reapreciação. Com efeito, o tribunal de primeira instância considerou o Réu A, autor do crime de homicídio voluntário p. e p. pelo art. 349º do Código Penal e condenou-o na pena de 14 anos anos de prisão e 5 (cinco) meses de multa à taxa diária de 35,00 Mt (trinta e cinco meticais) entre outras medidas. Temos, assim, que o presente acórdão se encontra ferido de nulidade, atenta a alínea e) do nº 1 do art. 668º do Código de Processo Civil, aplicável por força do § único do art. 1º do Código de Processo Penal. Na verdade, o presente acórdão condenou o Réu em quantidade superior à fixada na lei, pois que a norma legal considerada violada apenas fixa como moldura penal abstracta a pena de 16 (dezasseis) a 20 (vinte) anos de prisão maior. Foi assim aplicada uma pena inexistente no sistema penal vigente para a infracção cometida, violando-se assim o princípio “nulla poena sine lege”, princípio esse que tem foro constitucional.


Todavia, nada impede que, de imediato e, sem necessidade de baixa dos autos à primeira instância se conheça do objecto do recurso, atento o disposto no artigo 715º do Código de Processo Civil com referência ao artigo 749º do mesmo diploma legal e ao artigo 649º do Código de Processo Penal e, considerando também a economia de Juízo.


Valorando agora, a prova recolhida, dá-se como assente que no dia 5 de Janeiro de 1981, o Réu A, com os demais sinais dos autos encontrou-se, na zona da sua residência em Massemane – Panda com a menor de 16 anos de idade de nome D, identificada a fls. 5 e pediu-lhe namoro. A D, vítima, respondeu-lhe que só o aceitaria se ele lhe desse dinheiro. Acto contínuo, o Réu entregou à D a importância de 1.000,00 Mt (mil meticais).


Recebido aquele valor, a D disse que aceitaria, em definitivo o pedido do Réu caso os pais dela aprovassem aquele relacionamento.


É assim que o Réu foi apresentar-se aos pais da D que não acataram o seu pedido. Por outro lado, a tia do Réu opôs-se frontalmente a tal proposta, alicerçando a sua posição ao facto de ela se encontrar casada com um tio da D.


Despeitado, o Réu exigiu à D a devolução do dinheiro entregue (1.000,00 Mt) mas esta respondeu que já havia gasto e não tinha meios de o devolver, de imediato. Daí gerou-se grande discussão entre ambos e o Réu agrediu a D, apertou-lhe o pescoço com as mãos, estrangulou-a. A D veio a morrer em consequência da asfixia. Não satisfeito com isso, o Réu tapou as narinas e a boca com o lenço de cabeça da vítima que o atou, apertando em volta da cabeça para se certificar-lhe de nunca mais a veria com vida e abandonou-a debaixo do cajueiro onde se dera a agressão.


Cometeu assim o Réu A um crime de homicídio voluntário simples p. e p. pelo art. 349º do Código Penal.

Procede, portanto a qualificação jurídico-penal dada pelo Tribunal a quo.


Apreciando agora o circunstancionalismo atenuativo e agravativo da responsabilidade do Réu, procedem tão-somente as circunstâncias atenuantes 9ª (confissão espontânea do crime) e a apresentação voluntária às autoridades – 18ª e a falta de antecedentes judiciários – 23ª, todas do art. 39º do Código Penal. Não procede a circunstância 1ª.


Na verdade é jurisprudência assente que para que tal circunstância se verifique é necessário que o Réu tenha comportamento acima do comum dos indivíduos em idênticas condições de vida, idade e cultura e colocados nas mesmas condições de criminalidade.


Quanto às circunstâncias agravantes, procedem as circunstâncias 18ª (lugar ermo), 28ª (manifesta superioridade em razão de idade e sexo); todas do artigo 39º do diploma legal acima citado. Não procede a circunstância 32ª invocada na sentença recorrida por não se verificarem nos autos os elementos que fundamentam.


Em face das circunstâncias atenuantes a agravantes provadas, o Tribunal de 1ª instância entendeu por bem fazer uso da atenuação especial da pena nos termos do nº 1 do art. 91º do C. Penal, posição essa que colhe a nossa inteira concordância.


Pelo exposto, os Juízes deste Tribunal, condenam o Réu A, com os demais sinais dos autos na pena de 14 (catorze) anos de prisão maior, 20.000,00 Mt de imposto de justiça e 5.000,00 Mt de emolumentos a favor do defensor oficioso.


Mais condenam o Réu no pagamento de 150.000,00 Mt (cento e cinquenta mil meticais) de indemnização aos familiares da vítima.


O Tribunal de primeira instância deverá verificar se acham preenchidos os requisitos legais para que o Réu possa beneficiar do perdão fixado pelas Leis 7/83, de 25 de Dezembro, 6/82, de 30 de Janeiro e 3/89, de 19 de Julho.


Sem custas.



Maputo, 20 de Novembro de 1992

Ass: Luís António Mondlane e João Carlos Trindade